Na
década de 1930, em Londres, o inglês Sydney Allard vendia carros da Ford
na concessionária da família, mas sua verdadeira paixão era pelas
corridas — em especial as de trial, comuns na época, em que o desafio
era cumprir longas jornadas nos pouco robustos automóveis de então.
Depois de competir sem muito êxito com triciclos
Morgan e carros Ford,
incluindo ralis e subidas de montanha, ele decidiu construir o próprio
veículo.
Concluído em 1937, o Allard Special associava um chassi Ford encurtado,
com sua mecânica V8, a uma parte da carroceria de um Bugatti tipo 51. A
curiosa mistura mostrou-se competitiva nos ralis e provas de montanha, o
que levou
Sydney a fazer mais 11 delas para amigos, usando motor V8 da Ford ou V12 da
Lincoln. A atividade foi suspensa durante a Segunda Guerra Mundial, mas
assumiu caráter profissional em fevereiro de 1945: fundada a Allard
Motor Co., o construtor passava a desenvolver um carro esporte de dois
lugares a ser produzido em uma pequena instalação em Clapham, perto da
capital inglesa.
Em janeiro de 1946 estava pronto o Allard J1, um roadster essencial com
carroceria estreita, capô longo, cabine quase sobre o eixo traseiro e
para-lamas dianteiros separados do corpo. Não era um carro bonito, pois
não surgira com esse objetivo: Sydney Allard queria um modelo funcional,
sem preocupações estéticas. Inovador em suspensões, ele adotou
um eixo dividido para a dianteira, desenvolvido a partir do eixo rígido com molas semielíticas transversais da Ford. Na traseira o eixo rígido era
mantido.
Também da marca norte-americana vinha o motor usado no J1, um V8 de 3,6
litros com cabeçote chato (flathead), ou seja, válvulas laterais e
potência de 85 cv. Até 1948 foram feitos 13 desses carros, que
conquistaram vitórias em competições como os Ralis Alpino (1947 e 1949), de
Lisboa (1947 e 1948) e de Monte Carlo (1949 e 1950).
A fórmula daquele primeiro modelo era aprimorada para o J2, o mais
conhecido Allard, apresentado em 1949. As proporções da carroceria (de
alumínio, aplicada a uma armação de madeira e esta ao chassi de aço) não
mudavam muito, mas havia novidades como estepe lateral, em vez de
montado na traseira, e pequenos defletores em forma de meia-lua diante
do motorista e do passageiro para fazer as vezes de para-brisa. No
interior simples, o painel tinha os instrumentos espalhados por uma
chapa metálica e o volante usava quatro raios equidistantes.
Com dimensões semelhantes às do antecessor — e a mesma distância entre
eixos de 2,54 metros —, o J2 estreava a suspensão traseira independente
do tipo De Dion, elaborada por Sydney, que o deixava 10 anos à frente
dos concorrentes de pista ainda equipados com eixo posterior rígido. Na
dianteira permanecia o eixo dividido já visto no J1. O câmbio manual de
três marchas ainda não tinha sincronização na primeira, a tração era
traseira e freios a tambor Lockheed seguravam as rodas de 16 pol com
pneus 6,25-16.
Que motor movia o J2? Vários. Das 90 unidades produzidas, grande parte
foi exportada para os Estados Unidos sem propulsor, para que lá
recebesse um da marca desejada pelo cliente — ou até mesmo fosse vendido
sem motor para sua instalação posterior. Os mais comuns eram Cadillac e Chrysler Hemi, ambos
V8 com cilindrada de 331 pol³ (5,45
litros). O primeiro fornecia potência bruta de 160 cv, e o outro, de 180
cv, e o da Cadillac permitia usar até caixa automática. Outras alternativas
eram o Mercury 3,9 com 100 cv, uma variação com cabeçotes preparados Ardun (140 cv) e o mesmo motor ampliado para 4,4 litros (120 cv).
Com o peso a seco de apenas 770 kg, é de se imaginar a desenvoltura com
que esses V8 moviam o Allard. Dados não oficiais chegam a apontar
velocidade máxima de 208 km/h e aceleração de 0 a 80 km/h em 5,5
segundos com o V8 Cadillac. Concessionárias Ford na Inglaterra vendiam o
esportivo e havia representantes em outros países, apesar da pequena
quantidade produzida. Sua aceitação entre os norte-americanos foi
grande, como acontecia no período com outros carros esporte britânicos.
O próprio Sydney e Tommy Cole levaram um J2 com motor Cadillac à 24
Horas de Le Mans em 1950 e conseguiram o terceiro lugar. O modelo foi
vendido por dois anos.
Continua
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