Inspirado no Ferrari 250
Lusso, o ASA 1000 GT tinha linhas agradáveis; o comendador apenas mandou
desenhar o carro para vender os direitos
Interior bem-acabado com painel
completo, rodas Borrani fixadas pelo centro e motor com 1,0 litro,
comando no cabeçote e dois carburadores |
Na
década de 1950 existiam dezenas de fabricantes de carros esporte na
Itália, que podiam ser divididos em dois grupos. De um lado, marcas como
Ferrari, Alfa Romeo e Maserati, de grande prestígio e alto preço, que
usavam motores quase sempre entre seis e 12 cilindros, cilindradas
relativamente altas e carrocerias desenhadas pelos mais conceituados
projetistas, tais como Pininfarina,
Bertone e Ghia. Do outro
lado, pequenos fabricantes, que em geral empregavam motores entre 850 e
1.000 cm³, em boa parte derivados da Fiat, e carrocerias de autoria de
projetistas não tão conhecidos.
Eram os chamados Etceterini, entre os quais estavam Bandini, Conrero,
Ermini, Giannini, Giaur, Gilco, Moretti, Nardi, OSCA, Paganelli, Siata e
Stanguellini. Por isso, não foi de se estranhar quando Enzo Ferrari
anunciou, em 1959, que a empresa havia construído um motor de quatro
cilindros com 850 cm³ e potência de 80 cv a 7.000 rpm. O motor foi
instalado por Scaglietti na dianteira de uma versão modificada do Fiat
Coupé 1200. Chamado de 854, o carro foi usado para uso pessoal do
comendador. No entanto, muito além dessa função, o real objetivo do
modelo era realizar testes para que a Ferrari pudesse desenvolver um
carro compacto, capaz de participar do crescente mercado de esportivos
com motores pequenos.
A marca de Modena, com receio de que um veículo de menores custo e
potência pudesse manchar sua áurea de exclusividade, não pensava em
lançá-lo no mercado com sua própria marca, mas sim em oferecer o projeto
e o fornecimento de peças para terceiros. Consultada, a Fiat não se
interessou, pois tinha outros programas em andamento. Também foi
oferecido à fábrica de armas Beretta, que já havia se interessado antes
em entrar no mercado de carros. De fato, no fim da década de 1940, a
Beretta chegou a produzir três protótipos de um cupê com motor Benelli.
Confiante na possibilidade do negócio com a empresa bélica, o logotipo
do 854 tinha forma de metralhadora. Mais uma vez, contudo, a Beretta
decidiu não se arriscar nesse setor.
Com o objetivo de captar possíveis interessados no empreendimento, a
Ferrari fez uma encomenda confidencial à Carrozzeria Bertone. O
resultado foi que no Salão de Turim de 1961, no estande da encarroçadora,
apareceu um novo carro esporte, sem marca, que tinha um pequeno logotipo
tricolor retangular com a palavra "Mille" (o número 1.000 em italiano)
em azul sobre fundo amarelo, lembrando o logotipo do cavalo empinado da
Ferrari. A carroceria foi desenhada pelo jovem
Giorgetto Giugiaro em seu
primeiro trabalho como projetista da Bertone, empresa que também foi
responsável pela construção do carro.
O desenho simples e agradável se inspirava no do
Ferrari 250 GT Lusso, com dois
faróis destacados nos para-lamas mais altos que o capô, grade dupla de
perfil baixo, laterais "limpas" e uma traseira baixa com quatro
lanternas circulares. O interior luxuoso trazia painel com sete
instrumentos e volante de madeira Nardi, que acionava uma caixa de
direção de pinhão e cremalheira. Destaque entre os comandos eram os
pedais ajustáveis. Atrás dos bancos dos dois ocupantes existia um amplo
espaço para levar malas. O chassi era típico Ferrari, projetado pelo
engenheiro Giotto Bizzarrini:
estrutura tubular com seção longitudinal elítica e reforços transversais
também elíticos. Apesar da decisão da Ferrari de não permitir o uso do
logotipo com o cavalo empinado no novo carro, ele foi logo apelidado de
"Ferrarina" ou pequena Ferrari.
O motor, que não foi mostrado no Salão porque não tinha registro na
Anfia (Associazione Nazionale delle Fabbriche di Automobili e Affini,
Associação Nacional de Fábricas de Automóveis e Afins), não era outro
senão a evolução do quatro-cilindros de 850 cm³ montado no protótipo. No
entanto, a cilindrada havia sido aumentada para 1.032 cm³, em um motor
quadrado de 69 x 69 mm, obtido com o aumento do diâmetro dos cilindros e
do curso dos pistões. O único comando, no cabeçote de liga leve,
acionava duas válvulas por cilindro. A alimentação era por dois
carburadores de corpo duplo Weber DCOE 40. Com 91 cv a 6.800 rpm, era o
motor de 1,0 litro mais potente do mundo à época. O torque máximo
atingia 10,4 m.kgf a 5.500 rpm.
O desempenho era surpreendente para o tamanho do motor: 185
km/h de velocidade máxima e aceleração de 0 a 100 km/h em 14 segundos.
Continua
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