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Semana passada andei de
ambulância. Sem a estamina que me provoca toda vez que dirijo algo
novo, sem cinto de segurança, porém ligado à vida por um vaso de soro,
um Izordil sublingual, tubo de oxigênio, monitor cardíaco, médica e
paramédico de olhos assustados, torcendo para que eu chegasse à UTI
pré-avisada sobre enfarto em andamento.
Allah, clemente e misericordioso, e eu temos um pacto. Sutilezas
orientais, negociações fenícias. Da minha parte mantenho bom caráter,
boas ações e a incapacidade de pactuar com malfeito e gente sem
qualidade. E faço o que mandam o Dr. Carlão Freitas, meu
cardiologista, e o professor Nuno Cobra, meu condicionador físico, que
me dão cansativa disposição. Allah, superior, quando ultrapasso a
linha, provoca a genética e desastres químicos: é a terceira vez que
faz isto comigo.
Trata-se de educador gentil. Só acicata ao limite do normal. O acordo
continua válido: só quero a vida enquanto puder desfrutá-la, pensar,
provocar. Depois, não sei para o que servirá e aí, ele lerá as
cláusulas finais do nosso contrato. De nossa última conversa, estamos
mais ou menos acertados: 2.031, com um Jaguar novo, mais recente
aquisição, fazendo curva mais rápida que o carro, sozinho no carro, na
estrada, exceto um jequitibá, responsável pelo ponto final — nos
últimos tempos tenho-me questionado se a marca durará tanto quanto
eu...
à parte das digressões sobre a vida, os 8 km que separam o
bem-equipado e operacional posto de emergência da Câmara dos
Deputados, do hospital para onde me levaram, acompanhei de corpo
inteiro as inconveniências do veículo ao serviço que prestava.
O motor diesel, pequeno, fazia força para deslocar a massa de metal,
plástico e vidros que formam a ambulância. O câmbio, mecânico, não
permitia maciez na troca das marchas. E a suspensão, por feixes de
molas semi-elíticas, é o destaque de inadequação. Preparadas para
carga seca, refrigerantes, bujões de gás, material de construção,
enfim, coisas rígidas, transformam seu corpo em amortecedor auxiliar,
forçando-o a participar da rugosidade das ruas.
Pensará o leitor que o escriba que esta Coluna lavra há quase 37 anos
é um alienado apto ao enclausuramento, absorto em raciocínios entre
químicas e físicas tentando manter-lhe a vida. Mas a vida, caro
leitor, é isto: instigação, provocação, conclusão. Deus, educado, não
interrompe a frase — quando você não mais consegue continuar a
conversa.
Num raciocínio amplo, como nossos veículos são inadequados. A razão é
que partem do geral para o específico. Isto ocorre |