Data de publicação: 16/6/12

Cabe no orçamento: cabe mesmo?

Quando a inadimplência bate recorde no mercado de automóveis, é sinal de
que muitos podem ter decidido comprar sem considerar todos os custos

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editor

As notícias preocupam. De um lado, ante uma queda nas vendas de veículos durante o primeiro quadrimestre do ano, o governo federal reduz as alíquotas de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) por prazo determinado a fim de estimular mais brasileiros a comprarem carros — e logo, pois em agosto a festa termina, ao menos em tese. De outro lado, a inadimplência do consumidor bate recorde: em abril, 5,9% dos que financiaram automóveis acumulavam mais de 90 dias de atraso nos pagamentos, o maior percentual desde que o Banco Central começou a medir esse dado, há 12 anos.

Não é preciso ser economista para perceber que, lá atrás, muitos brasileiros tomaram a decisão errada de comprar um carro ou trocar o usado sem ter condições financeiras para isso. A famosa expressão da "prestação que cabe no orçamento" simboliza o que acontece em muitos casos: não se consideram todas as despesas envolvidas, mas pura e simplesmente se o valor mensal do pagamento do carro cabe — ou parece caber — dentro do que a família dispõe a cada mês após bancar suas despesas.

Muitos não levam em conta que ter um carro custa muito mais que a prestação e os gastos com combustível. Esse complexo cálculo deveria ser considerado não apenas por quem vai comprar o primeiro automóvel, mas também pelos que estudam a troca do veículo por um de maior valor ou planejam colocar mais um na garagem para atender às crescentes necessidades de transporte da família.

Alguns fatores nesse cálculo são fáceis de mensurar. Começa-se pelo Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), a ser pago todo ano, que tem custo proporcional ao valor venal do carro (em geral pouco mais baixo que sua cotação nas tabelas de usados). A alíquota varia, mas em São Paulo chega a 4% do valor venal, a mais alta vigente no País. Em um carro de R$ 40.000, como um sedã pequeno com certos itens de conforto, isso significa algo como R$ 1.600.

Segundo aspecto: seguro. Poucos hoje se dão ao luxo de não firmar uma apólice para proteger um patrimônio tão caro quanto um carro novo — ou se proteger de despesas inesperadas como a indenização por danos pessoais e materiais a terceiros. O custo do seguro varia muito conforme o modelo, o perfil do motorista, a cidade onde mora e as condições nas quais usa o carro.

Como referência, podemos tomar a cotação recente feita para o Guia de Compra  do Fiat Siena no Best Cars. Segurar a versão Essence 1,6 2011, comprada nova por algo próximo a nossos R$ 40.000 de exemplo, custa R$ 2.400 para um motorista com perfil de médio risco na cidade de São Paulo e chega a quase R$ 8.000 no caso de perfil de alto risco — e não se trata de um carro esportivo ou de alto custo de reparo, elementos que fariam disparar esses valores. Como se vê, vale a pena cotar esse importante fator de despesas antes de qualquer compra.

Tanto quanto o seguro, o gasto com combustível depende de muitas variáveis: quanto se roda, em que condições e como é o carro. Consta que a média de uso dos brasileiros é de 12.000 quilômetros ao ano, o que representa 1.200 litros de gasolina ao consumo médio de 10 km/l, não muito diferente do que se consegue com um carro de média potência em uso misto cidade/estrada. Ao preço de R$ 2,70 por litro, são R$ 3.240 por ano.

Outro fator importante é a manutenção. Muitos acreditam que comprar um carro zero-quilômetro representa despesas muito baixas com esse item, o que pode não ser verdade. O plano de manutenção previsto pelo fabricante hoje tem valores fixos para a maioria das marcas. No caso do Siena 1,6 em questão são R$ 244 para a revisão de 15.000 km e R$ 516 para a de 30.000 km. A 12.000 km por ano, ao fim de três anos o total gasto terá sido de R$ 760, ou seja, as duas revisões.

O que esse cálculo não considera — mas deveria — é que os valores de revisão preveem apenas itens básicos, como óleos e filtros, e a respectiva mão de obra. Ora, um carro não roda 30.000 km apenas com esses serviços. Pneus, pastilhas de freio, alinhamento e balanceamento estão entre os itens não cobertos, cujos custos cabem ao proprietário mesmo no período de garantia (sua cobertura se limita a defeitos de fabricação e reparo ou reposição de componentes que não sejam de desgaste e não estejam previstos em suas exceções). Pode-se pensar em uma média conservadora de gastos de R$ 500 ao ano.

Os custos envolvidos vão além, já que é preciso pagar licenciamento e seguro obrigatório (DPVAT) e algumas pessoas não têm uma — ou mais uma — garagem disponível, sendo preciso pagar pelo espaço mesmo quando se está em casa. Há quem gaste R$ 1.000 por mês para estacionar em locais de trabalho muito valorizados, mas vamos deixá-lo de lado por não ser uma despesa tão comum.

O valor vai ladeira abaixo
Por último, mas não menos importante, um fator que não é percebido por muita gente por não se tratar de um desembolso financeiro em seu sentido habitual: a desvalorização.

Automóveis perdem valor todo o tempo, de forma bastante acentuada no começo (como se diz, já valem bem menos assim que saem da concessionária) e mais sutil depois que alguns anos se passam. Também aqui há variações: no caso de um carro pequeno e acessível, a depreciação tende a ser mais baixa; para um modelo importado de luxo, esportivo ou simplesmente mais caro, as perdas (em termos percentuais) são maiores. Além disso, no caso de veículos com manutenção mais cara ou difícil, após alguns anos o valor cai ainda mais porque cada vez há menos interessados em assumir tal risco. O mesmo vale para carros de alto consumo de combustível.

Podemos deixar esses casos de lado por serem minoria. A partir da análise de alguns modelos de boa aceitação nas cotações de usados, é possível trabalhar com depreciação média de 12% no primeiro ano e 8% no segundo. Assim, um carro comprado por R$ 40.000 (sem considerar juros que possam ter elevado em muito o valor de compra) passaria a valer R$ 35.200 após um ano e R$ 32.400 depois de dois anos da aquisição.

Aqui, mais um detalhe que pouca gente observa: só se conseguem tais valores de revenda com tempo, disposição e sorte ao oferecer o carro a particulares. Dê o automóvel em loja, como entrada na compra de um novo ou mais novo, e você verá seu valor ser reduzido facilmente em mais 10% a 20%. Se precisar vendê-lo a uma loja para fazer dinheiro rápido, pior. A quantia obtida vai depender do carro, de sua urgência e do maior ou menor desespero demonstrado ao comprador.

Acabou? Não. Para se comparar a situação de comprar um carro à de não comprar, deve-se ainda saber quanto o dinheiro reservado à aquisição renderia em uma aplicação financeira. Nossos R$ 40.000, se colocados em uma caderneta de poupança há um ano, seriam hoje R$ 42.900 isentos de tributação. Cabe lembrar que se trata de modalidade de baixo risco, mas menos rentável que outras formas de rendimento disponíveis no mercado financeiro.

Vamos fazer a conta? Partindo dos valores médios relacionados acima, as despesas do primeiro ano de nosso hipotético carro novo de R$ 40.000 em São Paulo alcançam R$ 1.600 de IPVA, R$ 2.400 de seguro para perfil de médio risco, R$ 3.240 de combustível, R$ 500 de manutenção e R$ 160 de licenciamento e seguro obrigatório. Pelo valor de referência do mercado, sua depreciação representou mais R$ 4.800 (se entregue a uma loja na troca com o deságio médio de 15%, porém, essa perda supera R$ 10.000).

Seu atual valor de mercado indica que o carro representou custo total de R$ 12.700 no ano ou R$ 1.050 ao mês. Se forem considerados os R$ 2.900 que o dinheiro renderia na poupança, a diferença entre ter e não ter o carro vai para R$ 15.600 anuais ou R$ 1.300 mensais (claro que não rodar de carro implicaria circular de alguma outra forma, ou seja, não existe transporte grátis). É quase uma segunda família!

Você manteve a decisão de comprar um automóvel ou trocar seu usado por um novo? Ótimo: você contribui com a indústria automobilística e sua função de mola propulsora da economia; engorda o caixa do governo em suas três esferas, pelos incontáveis tributos que sua compra, posse, circulação e uso implicam pagar; e garante assunto a sites como o Best Cars, que perderiam uma de suas maiores razões de existir se ninguém mais comprasse carros.

Saiba, no entanto, que junto da prestação vem uma longa série de despesas de diversos tipos, algumas sujeitas a grandes variações, que a prudência requer considerar antes da decisão de compra. Desprezar tais custos pode ter sido um dos motivos para que tanta gente, hoje, se veja na difícil situação de não conseguir pagar o financiamento de um bem conquistado com tanto empenho.

Automóveis perdem valor de forma acentuada no começo: como se diz, já valem bem menos assim que saem da concessionária
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