O consumidor é quem decide

Diante do alto preço dos carros, fala-se em conhecer o real custo de
produção, mas isso pouco importa na definição do valor final

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editor

Semanas atrás, alguns colegas jornalistas escolheram um tema para trazer ao debate entre seus leitores: o (alto) preço dos carros no Brasil. Deu-se até nome ao fator que explicaria por que os automóveis são tão caros por aqui quando comparados a outros mercados: "lucro Brasil", uma variação do tradicional "custo Brasil" apresentado por fabricantes como obstáculo para que os carros custem menos.

Ou seja, os preços seriam altos não por — ou apenas por — serem pressionados por impostos, encargos trabalhistas e dificuldades diversas, mas porque as margens de lucro aqui estariam entre as maiores do mundo.

A reação natural de muitas pessoas, ao ler reportagens como essas — matérias que têm todo o mérito, friso —, é querer "abrir as caixas pretas" dos fabricantes, no sentido de ter acesso aos custos efetivos de produção de um carro, aos demais custos relacionados e, afinal, à margem de lucro colocada para se chegar ao preço de venda. O que me pergunto quando vejo esse interesse é: que diferença faz?

Sim, porque empresas fabricantes de veículos, como de qualquer bem de consumo, não são entidades filantrópicas: são organizações com fins lucrativos, que têm acionistas e a eles prestam contas. Como qualquer empresa, elas têm como objetivo obter o maior lucro possível, e um dos caminhos para isso é vender seus produtos ao maior preço que o consumidor aceitar pagar.

Muitos ainda têm a noção de que o preço de um produto qualquer está diretamente vinculado a seu custo de produção. De fato está, mas apenas como mínimo: nenhuma empresa venderia um produto por menos que o necessário para cobrir as despesas envolvidas — impostos inclusive — até que ele chegue às mãos do consumidor. Se algumas podem eventualmente vender abaixo do preço de custo, trata-se de estratégia para ganhar mercado, o que no jargão comercial se conhece por dumping. É a exceção, não a regra.

Atendido o preço mínimo, o valor efetivo para venda será, é claro, o máximo que o consumidor aceitar. E, se ele assim aceita, pouco importa se a concorrência oferece produtos equivalentes ou até melhores por menos, se no exterior o mesmo produto — ou um superior — é muito mais barato, se a margem de lucro está muito acima dos padrões internacionais. Infelizmente para alguns, felizmente para outros, esse é o capitalismo e é assim que nele as coisas funcionam.

Custos e preços
Alguns exemplos mostram como o preço de mercado não tem relação direta com os custos de fabricação. A linha Volkswagen conta com dois modelos dotados do mesmo conjunto motor-câmbio, com dotação de equipamentos não muito diferente e, de certo modo, baseados na mesma arquitetura: o Jetta Highline, importado do México, e o Passat, trazido da Alemanha.

O Jetta tem preço sugerido de R$ 89.520, e o Passat, de R$ 106.700, sem opcionais. Uma distinção de valores que me parece coerente com o segmento que cada um ocupa no mercado, pois entre os sedãs deve existir um degrau razoável para evitar concorrência interna, mas não tão grande que torne o segundo pouco atraente diante das alternativas que o mercado oferece.

O detalhe a ser observado é que por vir do México, país com o qual o Brasil mantém acordo comercial, o Jetta fica praticamente isento do Imposto de Importação de 35% que recai sobre o Passat. A simples adição de 35% ao preço do Jetta — caso ele viesse da Alemanha — o levaria a mais de R$ 120 mil.

O que se conclui desse cálculo? Simples, que a margem de lucro na venda do Jetta é bem maior que a do Passat. É natural: os preços sugeridos refletem o que a VW entende que o mercado aceita pagar por cada modelo, diante do que eles oferecem, de seu maior ou menor atrativo de novidade e das opções da concorrência. O custo envolvido para colocá-los nas concessionárias — bem menor no Jetta pela isenção do imposto — é um mero detalhe na definição dos preços finais.

Falei em atrativo de novidade, outro fator bastante relevante. Vamos a outro exemplo. A Hyundai-Caoa importa da Coreia do Sul os sedãs Azera e Sonata, o primeiro com motor V6 de 3,3 litros, por R$ 75 mil, e o segundo com motor de quatro cilindros e 2,4 litros, por R$ 105 mil. Você pode comparar os equipamentos de série, as fichas técnicas ou qualquer outro elemento de decisão racional e não encontrará uma razão para que o Sonata custe R$ 30 mil a mais que o Azera.

No entanto, basta olhar para cada um deles para entender o motivo: enquanto um está em sua juventude, com linhas modernas que atraem consumidores para as lojas, o outro mostra-se em fim de carreira — uma nova geração está por chegar — e precisa recorrer ao baixo preço para compensar essa deficiência. Se são 10, 20 ou 30 mil de diferença, o mercado decide. Em certo momento, pode ser que o estilo do Sonata deixe de seduzir e que as vendas caiam. O que a Hyundai-Caoa fará de imediato? Reduzir o preço, como já fez no passado com o Tucson e o próprio Azera quando a concorrência se fortaleceu.

Tudo é questão, como se vê, do que o pessoal de marketing chama de posicionamento de mercado: em que segmento se consegue encaixar o automóvel do ponto de vista do consumidor, que muitas vezes enxerga os elementos de maneira bem diversa de um aficionado pelo assunto. O que nos leva a mais um bom exemplo.

Quando a Citroën apresentou a C3 Picasso, em maio, um fator chamou mais a atenção que as próprias mudanças feitas na C3 Aircross — que nasceu primeiro aqui, embora só a Picasso existisse antes na Europa — para perder o jeito "aventureiro": o preço. Na versão intermediária GLX com câmbio manual, a Picasso custa R$ 50.900, enquanto a mesma opção da Aircross (que agora é a básica, tendo a GL saído de produção) vai a R$ 56.850, sem diferença expressiva em termos de equipamentos de série.

Quase R$ 6 mil por mais alguns centímetros de altura livre do solo e um estepe pendurado na traseira? Sim, pode-se resumir dessa forma para os adeptos da compra racional. Mas poucos compram carros com a razão à frente da emoção e, para a maioria, a Aircross parece valer o que custa acima da "irmã comportada", a julgar por seu volume de vendas mais alto. Até porque a concorrência mais próxima do modelo "aventureiro" da Citroën — Fiat Idea Adventure, Ford EcoSport, a nova VW SpaceCross — tem faixa de preço semelhante à dele e superior à de modelos sem a caracterização fora-de-estrada.

Na questão do posicionamento, vale o que Paulo Kakinoff (hoje presidente da Audi no Brasil) explicava em suas entrevistas coletivas quando diretor de Marketing da VW, anos atrás. Contava ele que o mercado pode ser dividido em três ou quatro grupos, cada qual com seu modo de ver o automóvel, e que um deles é o "atraído por imagem", aquele que se interessa muito pela aparência e pelo que o carro demonstra sobre seu dono a quem o vê. Há uma clara diferença nesse aspecto entre C3 Picasso e Aircross — como há entre outros modelos com e sem o pacote "aventureiro" — e é natural que os fabricantes, diante disso, proponham preços diversos para produtos que custam quase o mesmo para produzir.

No fim das contas, tudo depende de um só personagem: o consumidor, com seu direito de decidir — conforme considere justo ou não o preço — entre comprar este carro, optar por aquele ou virar as costas e não levar nenhum.

O valor será o máximo que o consumidor aceitar. E, se ele assim aceita, pouco importa se a margem de lucro está muito acima dos padrões.


Atualização em 16/9
O governo brasileiro anunciou o aumento da alíquota do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) em 30 pontos percentuais para carros que não sejam fabricados no Brasil ou nos demais países do Mercosul, o que pode trazer aumento de até 28% nos custos finais desses modelos.

Para o Best Cars, a medida é lamentável, pois altera as regras do jogo durante o jogo
com carros importados já em transporte, trazidos em quantidade que pode acarretar grande dificuldade de venda aos importadores. Não é com medidas repentinas como essa que o governo brasileiro passa uma imagem séria às empresas estrangeiras.

De resto, como vimos no Editorial acima, a situação ficará mais confortável para que os fabricantes instalados no País cobrem ainda mais por seus carros. O consumidor sairá perdendo duplamente, ao ter de pagar mais pelos nacionais e pelos importados.

 

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Data de publicação: 10/9/11

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