Paixão antiga

Comprar um carro do passado pode ser a realização de um sonho,
mas dicas ajudam a evitar que ele se torne um pesadelo

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editor

Desde que lançamos a seção Carros do Passado no Best Cars, em 1999, o site tem sido frequente fonte de consulta, informação e entretenimento para milhares de aficionados por automóveis antigos ou, de alguma forma, com interesse histórico. Desses milhares de leitores, uma parcela tem nos antigos não apenas um gosto para ver, ler e conhecer, mas também para dirigir e contemplar na própria garagem. E muitos que ainda não chegaram a esse ponto podem ter grande vontade de fazê-lo — e não saber como realizar o sonho sem terminar em um pesadelo.

Nas garagens dos membros da equipe do site, somam seis os carros que poderiam ser colocados naquela categoria. Nenhum, é verdade, alcançou a idade necessária para receber a placa preta — distinção a veículos com 30 anos ou mais de fabricação, em muito bom estado e alto grau de originalidade, obtida após vistoria por clubes credenciados para esse fim. Mas todos (um BMW 320i e um VW Passat GTS Pointer 1986, um Chevrolet Diplomata 1987, um Chevrolet Vectra GSi 1994 e dois Fords Escort XR3, um 1993 e outro 1994) mostram condições para, se mantidos nas condições atuais, receber a cobiçada identificação quando chegar o momento.

Para quem pretende ter algo assim em casa, o primeiro aspecto a definir é que tipo de automóvel será. Há gosto para tudo, de sedãs a esportivos, de picapes a conversíveis, em diferentes graus de interesse de preservação — em regra, quanto mais raro o modelo ou a versão, maior destaque ele ganhará com o passar do tempo. Nos exemplos "de casa", o Vectra GSi é muito menos comum que um GLS ou CD, assim como o XR3 se distingue de um Escort qualquer (se for o conversível, ainda mais). Por outro lado, prepare-se para pagar bem mais por uma raridade.

Se o objetivo é ter um valorizado objeto de coleção, faz pouca diferença se o carro escolhido lhe agrada ou não. Mas esse fator ganha importância bem maior quando a intenção é ter nesse primeiro modelo antigo uma realização pessoal, algo prazeroso de ter e dirigir
mesmo que só em fins de semana de bom tempo, longe dos perigos do trânsito. Muitas vezes se deseja um automóvel porque um ente querido teve um igual no passado. Considere essas influências, pois a dedicação ao carro será crucial nos momentos difíceis que, não raro, você enfrentará com ele.

Nacional ou importado? Em regra o fabricado no Brasil tem manutenção, reparos e reposição de peças mais simples e baratos, até por haver muitos mecânicos que trabalharam com o modelo no passado e o conhecem em profundidade. Mas há exceções: em alguns casos encontram-se componentes com facilidade no exterior para um importado, enquanto certa peça do nacional pode não ser mais produzida há muito tempo.

Escolhido o modelo, é interessante conhecê-lo melhor, e nisso os artigos de história do Best Cars são grandes aliados. Cada carro passou por modificações em seu ciclo de produção, o que afeta tanto o uso quanto o valor histórico. No exemplo do Vectra GSi, o modelo inicial de 1993 não vinha com teto solar e computador de bordo, adotados no ano seguinte. Já o Escort XR3 oferecia como opcionais sistema de áudio com equalizador e bancos Recaro, itens muito associados à imagem da versão e que agregam valor ao antigo. Nossos artigos também mostram as séries limitadas, que em alguns casos são alvo de especial interesse histórico.

E onde comprar? Lojas especializadas em carros antigos e especiais, que já existem em várias cidades, podem ser o caminho mais fácil — mas não o mais barato. Como para esses automóveis não existe cotação (o estado é determinante), negociar com particulares pode resultar em menor preço, já que o lojista conhece o mercado e tende a valorizar mais o produto. Hoje a internet facilita muito a fase inicial de pesquisa e seleção.

O joio e o trigo
Então vem a parte mais complexa e cheia de armadilhas: analisar os carros à venda, separar o joio do trigo e definir a melhor compra. Embora algumas regras válidas para veículos atuais se apliquem também aos antigos, esse mercado tem peculiaridades. Retificar ou trocar um motor tem seu custo, mas — dependendo do modelo — encontrar uma série de peças originais de acabamento pode ser bem mais trabalhoso. Pequenos reparos a fazer na carroceria não justificam rejeitar o carro; problemas estruturais, em muitos casos, sim.

Mesmo que o conjunto lhe pareça valer o preço pedido, atente a detalhes. Em um carro de cinco anos, um farol ou difusor de ar do painel pode ser trocado em minutos sem grande despesa. Em um de 15 ou 20, nem sempre: há peças que desapareceram do mercado, sendo encontradas apenas de segunda mão ou remanescentes de estoques antigos — a preços de acordo. Há também o caso oposto, o da peça que parece impossível de substituir, mas que tem uma alternativa acessível vinda de um modelo atual. Por isso, vale à pena pesquisar os componentes que exigem reparo antes de fechar negócio.

Falei acima em originalidade, que é um ponto dos mais relevantes. Talvez você só queira ter um carro parecido com o do vovô, ainda que desfigurado, ou procure uma base para fazer um hot rod ou street rod — antigos modificados, muitas vezes com mecânica moderna e sem vínculo com a marca original. Mas, se não for esse o caso (e este editorial se dedica a quando não  é esse o caso), preste atenção aos pormenores. Um automóvel antigo será tão mais valioso quanto mais preservar as características de fábrica, da cor ao revestimento, passando por acabamentos, rodas e calotas e toda a mecânica. Acessórios, para os especialistas, são aceitos apenas quando disponíveis na época de fabricação.

Para tudo o que foi dito nesses três parágrafos, vale uma mesma dica: informe-se com quem conhece. A internet está repleta de clubes — "físicos" ou virtuais — e sites especializados em marcas e modelos, no Brasil e no exterior, que trazem matérias, fóruns e imagens para orientar a compra, tirar dúvidas e indicar alternativas a peças que não existem mais. Melhor ainda, costumam ter anúncios classificados de carros, peças e literatura técnica, uteis tanto para encontrar quanto para reparar ou restaurar um antigo.

Há outra utilidade nesses espaços que reúnem proprietários e interessados: conhecer de antemão as boas e más características do automóvel. Uma suspensão mais dura e "seca" que a dos carros atuais, uma marcha-lenta irregular ou pequenas falhas elétricas talvez indiquem um veículo muito desgastado ou com problemas, mas também podem ser o comportamento normal daquele modelo. Afinal, ninguém esperaria que há 15 ou 20 anos se tivesse a tecnologia de hoje para garantir um funcionamento estável e confiável.

Seguidas todas as considerações, é grande a chance de fazer um bom negócio. O resultado será não apenas mais um carro na garagem: para alguns, trata-se da realização de um sonho alimentado por anos; para outros, a oportunidade de entrar para um novo círculo de amigos, frequentar encontros e conhecer outras pessoas com histórias parecidas ou diversas, mas com uma paixão em comum pelos automóveis do passado.

Retificar ou trocar um motor tem seu custo, mas — dependendo do modelo — encontrar uma série de peças originais de acabamento pode ser bem mais trabalhoso

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Data de publicação: 30/7/11

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