Os nomes proibidos

Pelo risco de má interpretação ou por atrito com outras empresas, os
carros têm de ser rebatizados — às vezes depois do lançamento

por Fabrício Samahá

Os que acompanham os bastidores da Fórmula 1 assistiram a um caso curioso nesta semana. De início anunciado como F150, em alusão aos 150 anos da unificação da Itália, o carro da Ferrari para a temporada de 2011 causou um processo judicial por parte da Ford, que usa desde 1975 a designação F-150 para um de seus picapes pesados nos Estados Unidos. Ainda que não se possa falar em risco de confusão pelo mercado, a oposição dos norte-americanos foi bem-sucedida.

Nesta quinta-feira (10), a marca de Maranello adotou a "versão completa" do nome — F150th Italia — ao se referir ao carro de corridas. Em comunicado à imprensa, esclareceu que "a Ferrari acredita que seu competidor na F-1 não pode ser confundido com outros tipos de veículos disponíveis comercialmente, nem pode dar a impressão de que há uma ligação com outra marca de veículo para uso em rua. (...) Apesar disso, e para provar que age em boa fé, a Ferrari garante que, em todas as áreas de operação, a versão abreviada será substituída pela completa, Ferrari F150th Italia".

Talvez tenha havido exagero por parte da Ford em proteger uma marca que lhe é tão cara — o F-150, somado aos demais modelos Série F, é o picape mais vendido nos EUA há mais de 30 anos —, mas não é a primeira vez em que se vê uma discussão entre fabricantes sobre direitos a nomes e números.

O caso mais famoso da história é certamente o do Porsche 911. Muitos não sabem, mas foi como 901 que o lendário carro esporte foi apresentado no Salão de Frankfurt em setembro de 1963. Esse era seu número de projeto e foi com tal logotipo que 82 unidades foram construídas até sua apresentação na França, no Salão de Paris, em outubro do ano seguinte.

Então, incomodada em seu território, a Peugeot alegou ter direitos sobre denominações com três dígitos e o zero no meio, padrão que ela usava desde o modelo 201 de 1929 — antes dele houve a série de Tipo 101 a Tipo 108, na primeira década do século passado, mas se tratava apenas da sequência iniciada com o Tipo 1 em 1889. A Porsche atendeu à reclamação e decidiu adotar o número 911 para aquele que seria seu modelo mais longevo. Nenhum carro havia sido vendido com o "nome proibido", mas consta que alguns chegaram a consumidores mais tarde sem a troca do logotipo.

Fabrício Samahá, editor

Audi ou Ferrari
Alguns anos depois, em 1969, a Ford argentina lançou naquele mercado o modelo Torino, similar ao norte-americano, mas usou o nome Fairlane, referente a outro produto vendido nos EUA. A razão era que a IKA-Renault já vinha usando o nome italiano em um modelo derivado do Rambler American.

Bem mais tarde, em 1995, a Volvo apresentou uma linha de sedã e perua de médio porte com as denominações S4 e F4, na ordem. Era a primeira vez na história recente em que a marca sueca associava letra e número dessa forma, pois os Volvos desde os anos 70 vinham denominados por números como 240, 760 e 850. Contudo, a Audi protestou pelo uso de S4, que ela empregava em um sedã esportivo, e os nórdicos optaram por mudar o sedã para S40.

E a perua? F40 poderia criar problemas com a Ferrari, que usou tal sigla no supercarro com que celebrou 40 anos de existência, em 1987. A saída da Volvo foi trocar também a letra, e assim surgiu a V40. O padrão que nasceu ali por força dessa mudança — S para sedãs e V para peruas, seguido de dois algarismos que representam, de alguma forma, o porte do modelo e sua posição na linha da empresa — é usado ainda hoje.

De volta à Ford, o que a Ferrari sentiu esta semana foi o que o próprio fabricante norte-americano experimentou em 2003. Interessado em voltar a usar o nome Futura em um sedã, descobriu que a empresa Pep Boys detinha os direitos sobre a marca, empregada em pneus e outros produtos. O carro acabou chegando ao mercado como Fusion.

Há também um caso recente no Brasil, o do Chery Cielo. Chamado de A3 em alguns países e de Skin em outros, ele foi rebatizado aqui para evitar atritos com a Audi (o nome Skin, aparentemente, não agradou e por isso a opção por um inédito). "Cielo" foi escolhido por meio de um concurso cultural. Em outros modelos, como as minivans Picasso da Citroën e o sedã Siena da Fiat, o uso do nome exigiu negociação com os detentores das marcas — a família do escultor espanhol e a prefeitura da cidade italiana, na ordem.

Além do desentendimento com outras empresas, sejam ou não concorrentes, outros fatores levam um fabricante a mudar o nome de um carro em determinados mercados. Há casos bem conhecidos, como o do Mitsubishi Pajero, que se chama Montero em países de língua espanhola
na qual o nome original é gíria para algo que não ficaria bem. Ou do Opel Ascona alemão que, ao se tornar brasileiro, virou Chevrolet Monza para não sugerir asco.

Ou ainda o do Alfa Romeo 164, rebatizado 168 na Singapura, pois a numerologia local traduz 164 como "morte em uma viagem". E, embora Citroën e Kia tenham assumido o risco de piadas com seus Picasso e Picanto, certamente a Nissan não arriscaria a vender por aqui o picape Frontier com o nome de alguns mercados europeus: Navara.

É por motivo semelhante ao do Alfa que o Citroën C4 tem outros nomes na China, embora a marca mantenha denominações como C2 e C5. O sedã que conhecemos como Pallas é chamado por lá — no primeiro país em que foi lançado — de C-Triomphe, que remete ao Arco do Triunfo, e tanto o hatch quanto um sedã menor recebem o logotipo C-Quatre, com a grafia original francesa. O motivo? Em chinês, a sonoridade do número quatro é muito próxima à da palavra "morte", uma associação da qual a Citroën, naturalmente, não quis correr o risco.

A Peugeot alegou ter direitos sobre denominações com três dígitos e o zero no meio. A Porsche atendeu à reclamação e decidiu adotar o número 911.

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Data de publicação: 12/2/11

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