A segurança dos pequenos

A norma sobre transporte de crianças, em meio a tanta polêmica,
deixa uma questão: quando o padrão Isofix será generalizado?

por Fabrício Samahá

A obrigatoriedade do transporte de crianças de até sete anos e seis meses em cadeiras apropriadas, conforme a resolução nº 277 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), afinal começou de verdade depois de um adiamento de três meses. E tornou-se o assunto do momento para quem tem carro e filhos pequenos ou mesmo transporta parentes e amigos que se enquadrem naquela faixa etária.

O adiamento da entrada em vigor, prevista para junho, foi justificado pela falta do produto no mercado — na cidade do Rio de Janeiro deu-se mais algum tempo, até 1º de outubro, pelo mesmo motivo. Aparentemente muitos deixaram para comprar em cima da hora, por uma característica tipicamente brasileira, e nem os próprios fabricantes esperavam que a lei fosse aplicada de fato, sendo então pegos de surpresa pela demanda.

Aconteceu o mesmo no passado com o kit de primeiros socorros, exigido por pouco tempo depois da entrada em vigor do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) de 1998. Em São Paulo, viu-se caso idêntico quando a prefeitura lançou novos padrões de sinalização visual para fachadas de empresas. Houve tanta polêmica sobre o assunto que muitos donos de estabelecimentos preferiram aguardar, na expectativa de que a norma fosse alterada ou adiada. Nada disso aconteceu e, com a lei já em vigor, o que se viu por toda a cidade foram faixas improvisadas, dentro das dimensões permitidas, até que os produtores de sinalização visual dessem conta dos pedidos de última hora.

Prazos à parte, a nova norma trouxe situações curiosas. Como se sabe, táxis, ônibus e até veículos de transporte escolar estão isentos da obrigatoriedade da "cadeirinha". Para seguir à risca a lei, na capital paulista a Polícia Militar chegou a exigir, na última terça-feira (7), que pessoas tomassem um táxi — sem o dispositivo, claro — para seguir viagem por não ter a cadeira no carro em que circulavam, como mostrado na imprensa.

Faltou bom senso na interpretação da norma, mas a questão desses veículos de uso público é mesmo complexa. Acredito que em nenhum país (se o leitor souber de algum, por favor avise) a exigência se estende a táxis. Na Inglaterra, por exemplo, há permissão para menores de três anos sem cadeira, no banco traseiro, se uma delas não estiver disponível nesse tipo de carro. De qualquer forma, as grandes companhias de táxi bem poderiam oferecer os assentos a quem requisitasse um carro assim equipado por telefone. Há no mercado modelos que se adaptam a crianças de ampla faixa etária, só não servindo às de até um ano, que usam o chamado bebê-conforto.

Outro problema debatido, já com a norma entrando em vigor, foi a inadequação dos assentos de elevação — usados para crianças de quatro anos a sete anos e meio — a alguns carros fabricados até 1998, em que os cintos de segurança traseiros são subabdominais (de dois pontos) e não de três pontos. Depois que o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) recomendou tolerância nesses casos aos órgãos de fiscalização, o Contran acabou por autorizar na última segunda-feira (6) o transporte de crianças de mais de quatro anos no banco dianteiro desses automóveis, com dispositivo adequado, ou no traseiro com cinto de dois pontos e sem assento de elevação.

Algumas questões continuam em discussão, como a de famílias com três ou mais crianças em idade que requer o dispositivo. Volumosas, três cadeiras chegam a não caber no banco traseiro de muitos carros, sobretudo em um país onde os modelos "de luxo" são os mesmos vendidos como compactos aos norte-americanos. Para esse caso, o exemplo britânico poderia ser adotado pela legislação: se houver duas cadeiras no banco, uma terceira criança (a maior delas) pode viajar usando apenas o cinto de segurança.

Fabrício Samahá, editor

Precisa evoluir
Embora a resolução 277 traga um avanço, o fato é que o transporte infantil ainda precisa evoluir muito no Brasil. Quando meu filho Bruno nasceu, há quase dois anos, compramos de imediato um bebê-conforto e meses depois uma cadeira que deve servir ainda por um bom tempo, pois pode ser convertida em assento de elevação. Apesar do cuidado na escolha, percebo que sua fixação ao carro é insatisfatória.

Prender a cadeira com o cinto, como se faz na quase totalidade dos casos por aqui, não é o ideal. Embora tenha resistência suficiente no evento de uma colisão, o cinto fica todo o tempo estendido — em alguns casos, quase até o limite — e prensado por uma fivela da cadeira, o que me parece fator de desgaste para o cinto a longo prazo. Além disso, a colocação e a remoção da cadeira (frequentes em nosso caso, pois usamos a mesma no carro pessoal e nos veículos em teste, que mudam quase a cada semana) estão longe de serem práticas ou confortáveis. É comum que o fecho do cinto do lado interno, por falta de largura no assento, fique em tal posição que se esconda sob a cadeira na hora da montagem.

Outra questão: com base larga e plana, a cadeira que usamos (sei que algumas não apresentam esse inconveniente) não se adapta bem a bancos que não sejam também planos. Em alguns casos, um lado da cadeira fica apoiado em uma lateral do banco, mais alta que a região destinada ao passageiro adulto, na qual se apoia o outro lado da cadeira — e ela, assim, fica torta. Colocá-la no espaço central do banco ajuda em alguns casos, mas tende a deixá-la instável, com movimentos laterais, justamente porque sua base é maior que a área plana do assento. Pior ainda se o cinto central for apenas subabdominal, economia lamentável que ainda se vê em muitos carros, mesmo aqueles longe de serem baratos
— um aspecto a que o Contran deveria estar mais atento.

Todos esses problemas seriam eliminados com a adoção da fixação Isofix, padrão internacional pelo qual basta um clique para montar a cadeira, em posição ideal, a suportes ancorados à estrutura do carro. Só que tanto os suportes Isofix são raros nos carros nacionais quanto as cadeiras adequadas a esse padrão são incomuns no mercado. Nos Estados Unidos, um sistema similar (o Latch, sigla em inglês para âncoras inferiores e cordas para crianças) é exigido desde 2002, enquanto na Europa o Isofix será obrigatório apenas ao fim de 2014, mas já equipa grande parte dos carros.

No Brasil, como se sabe, itens de segurança não proliferam enquanto são opcionais (e caros). Portanto, como já feito com bolsas infláveis e freios antitravamento (ABS), caberia ao Contran regulamentar que todos os carros novos passassem a trazer a fixação Isofix a médio prazo, sendo a data europeia mais que suficiente para isso. O efeito natural seria os consumidores exigirem o mesmo padrão dos fabricantes de cadeiras. Na condição atual, é natural que estes últimos não sejam incentivados a adotá-lo, pois o mercado para esse tipo de cadeira ainda é muito pequeno.

A nova norma para o transporte infantil representa, sem dúvida, um progresso. Mas vários aspectos ainda precisam ser debatidos e acertados para que ela constitua, de fato, um avanço na segurança desses pequenos passageiros que ainda não podem decidir por si próprios qual a forma adequada para viajarem.

Os problemas seriam eliminados com a fixação Isofix. Nos Estados Unidos, um sistema similar (o Latch) é exigido desde 2002.

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Data de publicação: 11/9/10

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