Destinados a pagar mais

De novo levantada, uma antiga questão — por que os carros
no Brasil são tão caros? — deixa uma frustrante conclusão

por Fabrício Samahá

Não é novidade para quem está bem informado sobre o mundo do automóvel — como os leitores do Best Cars — que os carros vendidos no Brasil são caros demais em comparação aos de outros mercados. Já abordamos esse assunto diversas vezes no Editorial, mas a oportunidade de voltar ao tema veio ao ler a boa matéria a respeito publicada na revista Exame, nesta semana, e disponível no site da publicação.

A matéria começa com um exemplo dos mais chamativos: o mesmo Honda City fabricado em Sumaré, SP que é vendido no Brasil ao preço sugerido de R$ 57.420 na versão de entrada (LX com caixa manual) custa apenas US$ 20.100 (R$ 37.800 ao câmbio de R$ 1,88 vigente na data de publicação deste texto) na vizinha Argentina. Portanto, pagamos quase R$ 20 mil ou 52% a mais — e a diferença seria ainda maior se não houvesse a recente alta do dólar, que na semana anterior valia cerca de R$ 0,10 a menos. Se a comparação da Exame fosse com o mercado mexicano, que também recebe o City paulista, a diferença seria ainda mais flagrante: o LX manual custa lá 210.000 pesos ou R$ 30.000, o que nos faz pagar 91% a mais, quase o dobro. E dizer "o mesmo City" é ser benevolente com a Honda, já que os mexicanos recebem a versão LX com sistema antitravamento (ABS) nos freios — para tê-los aqui é preciso passar ao EX — e ambos os mercados usam uma versão mais elaborada do comando de válvulas variável i-VTEC, que resulta em potência superior em 5 cv (120 contra 115 cv, ambos com gasolina).

Como sempre acontece nesse tipo de matéria, a revista passa a abordar nossa desvantagem em termos de tributação. Não resta dúvida de que pagamos impostos demais no Brasil: cálculo do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário) divulgado nesta semana aponta que até o próximo dia 28, e desde 1º de janeiro, o brasileiro em média trabalha apenas para pagar a parcela do governo sobre seu patrimônio, sua renda e tudo o que consome — uma forma interessante de mensurar a escorchante carga tributária que incide sobre todos nós.

Pois bem: a Exame relata que impostos como IPI, ICMS, PIS e Cofins representam entre 27% e 36% do preço final dos carros nacionais, contra 6,1% dos vendidos nos Estados Unidos, 9,1% do Japão, 16% na Alemanha e 20% na Itália. A carga tributária na Argentina e no México não foi citada, mas informações que colhi há algum tempo indicavam a adição de pouco mais de 20% ao preço no primeiro caso e 16% no segundo (portanto, cerca de 17% e 14% do preço são impostos, na ordem). O que leva ao cálculo: estimando 32% do preço em impostos para o City no Brasil, 22% na Argentina e 16% no México, os R$ 57.420 do mercado local deveriam se transformar em algo como R$ 47.600 e R$ 45.300 para eles, na ordem — o que está longe, muito longe, do valor que eles realmente pagam. Para onde vai toda essa diferença? A revista não respondeu, mas você pode imaginar.

Diferença que não se restringe ao City, naturalmente. O Civic Si brasileiro custa na Argentina US$ 35.400 ou R$ 66.450, enquanto a versão feita nos Estados Unidos, que tem equipamentos a mais (teto solar, bolsas infláveis laterais), sai no México por 322.500 pesos ou R$ 46.000. No Brasil ele custa R$ 103.650, o que dá 56% a mais que no mercado argentino e impressionantes 125% acima do mexicano. Também não é uma questão restrita à Honda. O "novo" Chevrolet Classic sai a 42.190 pesos (R$ 20.300) na Argentina e por 120.320 pesos (R$ 17.300) no México, onde se chama Chevy e tem outro desenho na frente, contra R$ 28.300 aqui — 39% e 63% mais caro, na ordem. Com um detalhe: os argentinos o recebem com motor de 1,4 litro e 94 cv e os mexicanos usam um 1,6 de 100 cv, muito superiores a nossa versão de 1,0 litro e 79 cv. Além da defasagem em desempenho e prazer em dirigir, isso implica que o Classic "de cá" custaria ainda mais se não fosse agraciado com a menor alíquota de IPI aos carros de 1,0 litro, uma distinção à qual sempre fomos contrários — mas isso é assunto para outro Editorial.

Fabrício Samahá, editor

Pague dois, leve um
Motores diferentes também são usados no Vectra: a Argentina tem apenas o de 2,4 litros, 16 válvulas e 146 cv, contra o de 2,0 litros, oito válvulas e 140 cv usado no Brasil. Mesmo com um motor mais elaborado, a versão completa de lá (CD com caixa automática) custa 99.510 pesos ou R$ 47.860; a daqui (Elite, também automática), R$ 75.570 — 58% a mais. Os mexicanos não têm mais o Vectra, mas compram o picape leve Tornado — nosso Montana — com motor de 1,8 litro a partir de 130.830 pesos ou R$ 18.750, enquanto os brasileiros pagam R$ 30.415 (62% a mais) por um modelo inferior, com acabamento básico e motor 1,4.

Vamos à Volkswagen. O CrossFox reestilizado, que acaba de chegar à Argentina, oferece três níveis de equipamento e todos contam de série com ar-condicionado e rádio/toca-CDs/MP3. O mais barato parte de 68.620 pesos ou R$ 33.000. E aqui? São R$ 53.520 com a adição desses opcionais, aumento de 62%. Não é diferente com o Gol nacional vendido no México. A versão de entrada com motor 1,6 sai por 111.900 pesos (R$ 16.000), ante R$ 34.500 do mercado brasileiro. Inacreditáveis 115% de aumento, ou mais que o dobro, para um carro ser vendido em seu próprio país em vez de fazer uma longa jornada até o México!

Outro "aventureiro" nacional, a Fiat Idea Adventure, também está presente naqueles mercados. Na Argentina, com o pacote de segurança (bolsas infláveis e sistema antitravamento ABS) e o bloqueio de diferencial que aqui vêm de série, a minivan custa 77.350 pesos ou R$ 37.200; no México vem com ABS, bancos revestidos em couro e garantia de dois anos (o dobro da nossa) por apenas 197.900 pesos ou R$ 28.400. Aos brasileiros, com bolsas e ABS, mas sem couro, custa R$ 56.900, que são 52% a mais que o preço argentino e o dobro do valor mexicano. Para fechar com as "quatro grandes", um Fiesta sedã 1,6 começa em 53.080 pesos (R$ 25.500) na Argentina e 145.400 pesos (R$ 20.750) no México, no segundo caso já com ar-condicionado, que aqui é opcional. No Brasil ele parte de R$ 37.650, portanto 47% a mais que no país vizinho e 81% acima do mercado mexicano. Se serve de consolo, o motor flexível do "nosso" tem de 11 a 13 cv adicionais às unidades a gasolina usadas nos outros...

Em todos esses casos, os preços do mercado brasileiro estão isentos de Imposto de Importação por ser tratar de produtos nacionais. Sobre carros importados, com exceção dos trazidos do México e dos países do Mercosul, incide a alíquota de 35% e é natural que os preços subam. Só que sobem demais — sinal de que se ganha muito vendendo carros por aqui, mesmo quando o governo exige uma fatia mais generosa do bolo.

O pequeno Smart Fortwo com motor turbo de 84 cv, em versão fechada, custa no México US$ 14.950 ou R$ 27.750 (não é vendido na Argentina), e aqui, R$ 57.900 — mais que o dobro. O Audi A4 V6 de 3,2 litros com tração integral sai a US$ 77.350 (R$ 143.500) aos argentinos, US$ 52.600 (R$ 97.600) aos mexicanos e R$ 238.500 aos brasileiros, que pagam 66% mais que os primeiros e 144% mais que os segundos. Está vermelho de raiva? Pois ficará roxo com o próximo exemplo. O sedã superesportivo BMW M5, uma fera de mais de 500 cv no motor V10, custa no Brasil R$ 554.000; no México, US$ 117.400 ou R$ 218.000; e na Argentina, US$ 171.900 ou R$ 319.000. Isso significa que nosso preço é 73% mais alto que o dos argentinos e espantosos 155% maior que o dos mexicanos. Isso mesmo: paga-se aqui o valor de dois carros e meio naquele país. Não há Imposto de Importação que justifique tamanha diferença!

O que explica todo esse quadro é algo mais difícil de expressar em números, mas que está muito claro: aceitamos pagar caro — muitas vezes por automóveis inferiores — desde o início de nossa indústria. Mesmo que a concorrência tenha aumentado tremendamente em termos de número de marcas no mercado, cada uma delas sente-se à vontade para acomodar seus preços em altos patamares. O tema "por que nossos carros custam tanto", recorrente na imprensa desde muitas décadas atrás, desperta curiosidade ou mesmo revolta por algum tempo, mas logo é esquecido e nada faz a situação mudar. Os índices de produção e vendas da indústria falam por si.

Pagar mais, muito mais talvez esteja mesmo no destino dos brasileiros.

O Gol nacional vendido no México sai por R$ 16.000, ante R$ 34.500 do mercado brasileiro. Mais que o dobro para um carro ser vendido em seu próprio país em vez de fazer uma longa jornada!


Atualização: estudo do IBPT enviado pelo leitor Elton Minasse, de São Paulo, aponta carga tributária ao redor de 41% do preço final (portanto, mais alta que a citada pela Exame) para um carro nacional com motor flexível de 1.001 a 2.000 cm³, caso do City citado no exemplo. Com isso, sua versão LX deveria custar R$ 41.300 na Argentina e R$ 39.300 no México, supondo a mesma margem de lucro usada aqui e sem considerar o custo adicional de frete para esses países. Como os preços atuais são de R$ 37.800 e R$ 30.000, na ordem, a Honda local estaria cobrando 9% a mais que o importador argentino e expressivos 31% mais que o mexicano. O restante da diferença, contudo, vai para o governo e não para o fabricante. (27/5/10)

 

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Data de publicação: 22/5/10

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