Apaixonado por beleza

É fato que é esse o perfil do consumidor brasileiro. Assim, como
entender que os novos carros tenham desenhos tão controversos?

por Fabrício Samahá

Muitos dizem — até mesmo a publicidade da distribuidora de combustíveis Ipiranga — que brasileiro é apaixonado por automóvel. Tenho minhas dúvidas. À parte uma considerável legião de entusiastas, que inclui boa parte dos que acompanham este site e todos os que participam da equipe, parece-me mais provável que os caprichos de muitos brasileiros com seu carro — aquela lavagem que consome toda a tarde de sábado, a pressa em reparar um pequeno amassado ou risco na pintura — tenham relação com a conhecida valorização da estética por nosso povo. No caso, a necessidade de rodar em um carro bonito, que pareça novo ou bem conservado, mesmo que o óleo lubrificante já tenha superado largamente o prazo de troca, que nunca tenha sido feito um alinhamento de rodas ou que se abasteça num posto suspeito para poupar uns trocados.

Essa é uma questão que rende longas discussões e sobre a qual, provavelmente, jamais se chegará a um consenso. Mas é ponto pacífico que o brasileiro — apaixonado ou não por carro — gosta de um automóvel bonito. As pesquisas de mercado sempre colocam o desenho como um dos pontos mais importantes na decisão de compra. Carro feio ou sem atrativos visuais, por aqui, está geralmente condenado a uma ponta nas estatísticas de vendas, entre aquela parcela do público que não liga para isso ou usa o veículo como ferramenta de trabalho.

Diante disso, uma pergunta tem sido feita por muita gente (este editor incluído) nos últimos tempos: o que passa pela mente dos projetistas que definem as linhas dos carros para o mercado brasileiro? Sejam modelos com desenho inteiramente novo, sejam reestilizações dos produtos já conhecidos, vários têm apostado em soluções de estilo que parecem agradar a poucos, um risco alto demais para correr em um mercado tão focado em aparências como o nacional. (Antes que o leitor envie sua mensagem de protesto, vale lembrar que um Editorial é um texto pessoal e que cada um tem direito a gostar ou desgostar do que quiser. Portanto, que ninguém se ofenda pelos comentários que farei a seguir.)

Só nas últimas semanas foram revelados dois lançamentos que se enquadram nessa definição: o Fiesta com frente remodelada, que acaba de ser apresentado à imprensa, e a segunda geração do Uno, com lançamento dia 4 de maio.

No caso do Fiesta, a sensação que ficou é que foi dada ampla liberdade para criar algo moderno, com alguma inspiração nos últimos modelos da Ford europeia, mas a contenção de despesas obrigou a se combinar a nova frente ao mesmo restante lançado há oito anos. Não há como negar — goste-se dela ou não — que a dianteira apresentada agora está em conflito com as laterais cheias de linhas retas e ângulos e, no caso do sedã, também com a traseira. Curiosamente, quando a atual geração do Fiesta passou pela primeira reestilização em 2007, a traseira inalterada do sedã "casou" bem com a nova frente baseada em linhas retas, enquanto o hatch parecia um pouco arredondado demais por trás, sem chegar à dissonância. Agora, a falta de harmonia do conjunto chega a incomodar.

No caso do Uno, muitos ainda se lembram da rejeição inicial ao modelo de 1984, desenhado pelo mestre italiano Giorgetto Giugiaro e apelidado por aqui de "botinha ortopédica". Levou alguns anos para que o desenho moderno — e muito funcional — do pequeno Fiat fosse assimilado pelos brasileiros, mas a "botinha" venceu e passou 20 anos sem grandes intervenções de estilo até receber uma frente grosseira e com jeito de Doblò, em 2004. Anos depois, começaram a aparecer projeções de um novo Uno, com projeto nacional, e o resultado agora surge em fotos oficiais.

Se gostei? Não muito. As linhas retas com cantos arredondados dão a impressão de que um desenho inicial foi feito com objetivo de transmitir robustez, mas teve de ser revisto porque alguém opinou que estava "bruto" demais. Então apararam-se as arestas e o carro ficou com jeito de brinquedo, acentuado por detalhes como a grade de um lado só (três vãos do lado esquerdo, nenhum do direito), os elementos retangulares nas portas e as molduras de para-lamas algo ovaladas. Visto por trás, com os vidros laterais e traseiro quase verticais, o Uno me lembra alguns projetos despretensiosos de carros populares para o mundo emergente — o que ele de fato é, mas com o detalhe de ser destinado ao público "apaixonado por carros" do Brasil. Acredito que a Fiat tenha conseguido um bom aproveitamento de espaço, no que sobressai desde o pioneiro 147, mas não dava mesmo para chegar a algo mais agradável aos olhos?

Fabrício Samahá, editor

Estilo agressivo — mesmo
Penso em agressão aos olhos e me vem à lembrança o Chevrolet Agile. Chega a surpreender que a General Motors brasileira, em outros tempos tão talentosa no desenho de carros — responsável pela conversão em sedã e picape do Corsa dos anos 90, pela frente inicial de S10 e Blazer e pela transformação do Corsa atual em Montana, entre outras felizes criações —, tenha chegado a esse resultado final. O Agile parece desenhado por diferentes equipes, sem comunicação entre elas, cujos trabalhos foram reunidos à força no fim do processo sem oportunidade para cada uma tentar se adequar às demais. Os faróis são imensos, a grade dianteira parece tomada emprestada de um picape Silverado e a linha do capô é alta demais para o tipo de carro, como se viesse de um utilitário. As laterais apelam para soluções estranhas como as aletas nas laterais do para-brisa, que simulam um vidro mais inclinado quando o carro é visto de lado — mas só totalmente de lado —, e o aplique de plástico preto nas colunas traseiras, para dar a sensação de uma área envidraçada com perfil mais esportivo, próximo ao de um cupê, sem que isso disfarce as linhas retas da parte final do teto. Ainda, os vidros laterais quase verticais acentuam o ar estranho quando visto de frente ou de traseira, problema comum a Logan e Sandero.

E, por falar na dupla da Renault, abro mão de comentar sobre o sedã. Ele tem motivo para seu desenho quadradinho, pois foi projetado como carro barato para países descompromissados com aparência, como sua Romênia natal (é um projeto da Dacia, marca do grupo Renault-Nissan sediada naquele país) e outras nações emergentes ou sem planos de emergir. O problema foi a Renault daqui decidir que um hatch atraente deveria ser obtido do Logan. O Sandero teve de manter sua estrutura central retilínea, com vidros laterais quase verticais, e recebeu uma frente até agradável e uma traseira muito controversa, com a forma irregular das lanternas. Os vincos em curva aplicados às portas, possível inspiração em um dos trabalhos menos harmoniosos de Chris Bangle para a BMW — o Série 1 —, também parecem apelativos em uma parte do carro onde não havia muito a fazer. Como um todo, o Sandero é estranho. E pensar que, se a Renault tivesse seguido a filosofia que escolheu para o Brasil nos anos 90 e da qual se desviou depois, poderíamos ter em seu lugar o muito mais bonito Clio europeu de terceira geração.

Em um cenário como esse, vale lembrar outros projetos um tanto polêmicos, como as reestilizações aplicadas a S10 e Blazer em 2000 (retocada à exaustão nos anos seguintes), Palio em 2007 (depois amenizada pelo uso de faróis do Siena, de melhor aspecto), Peugeot 206 (renomeado 207) em 2008 e Ranger em 2009, além das amplas reformas que transformaram o antigo Ka no modelo atual e o Clio sedã no Symbol. O novo Classic com linhas "importadas" da China — eram do Chevrolet Sail que já saiu de produção por lá — até que não ficou mal, mas aquela traseira tem todo o jeito dos anos 90, lembrando o Corolla da geração retrasada.

E sou só eu que me lembro da Rural Willys quando vejo a traseira do Kia Soul, o tal "carro design" da publicidade?

O Agile parece desenhado por diferentes equipes, sem comunicação entre elas, cujos trabalhos foram reunidos à força no fim do processo sem oportunidade para cada uma tentar se adequar às demais.

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Data de publicação: 24/4/10

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