Chega mais um Carnaval e, como acontece todo ano e o ano todo às
vésperas dos principais feriados, a televisão é tomada pelas
campanhas de segurança no trânsito, que pedem moderação na
velocidade e que volante e bebida não se combinem, entre outras
medidas. Muito válido, muito correto. Mas desta vez, como em todas
as demais, o que se nota é a concentração das campanhas em poucos
aspectos, deixando de lado outras medidas que fariam muito bem ao
trânsito e aos que estão nele. Por sugestão do leitor Leandro
Fratoni F. Silva, de Diadema, SP, decidi abordar o assunto neste
Editorial.
O primeiro aspecto não poderia ser outro: velocidade. Desde que o
limite de 80 km/h foi imposto no Brasil nos anos 70 — motivado pela
pressão em reduzir o consumo de combustível e a importação do
petróleo, que havia se tornado caro desde a crise de 1973 —,
criou-se a cultura de que velocidade mata por si só. É como se
houvesse enorme risco em trafegar a, por exemplo, 150 km/h em boas
condições de tempo e visibilidade em uma boa rodovia como as que
dispõe o estado de São Paulo. Uma tese amparada pela intensa
fiscalização com as maquininhas de fazer dinheiro chamadas de
radares.
Velocidade em si não mata, ou as auto-estradas alemãs sem limite
seriam uma carnificina
— na verdade, aquele país
tem um trânsito dos mais seguros do mundo.
O que mata é a
velocidade inadequada às condições, que pode ser de meros 40 km/h se
o motorista estiver em uma rua repleta de crianças. Poucos talvez
saibam ou se lembrem, mas no começo dos anos 70 a velocidade
permitida na SP-280 Rodovia Castello Branco já chegava a 120 km/h.
Naquele tempo, como se sabe, Opalas, Dodges e Galaxies com pneus
diagonais e até freios dianteiros a
tambor estavam entre nossos melhores carros, sendo a grande massa
composta de Fuscas, Kombis, Corcéis ou mesmo Gordinis. Como
concordar que, hoje, o maior limite vigente no Brasil ainda seja o
mesmo que vigorava na Castello há 40 anos?
Ao lançar a velocidade como inimiga pública, as campanhas levam a um
efeito colateral: o motorista que por qualquer razão (mesmo uma
questão de saúde ou uma grave urgência pessoal em chegar ao destino)
pretenda andar acima do limite indicado é mal visto e considerado um
perigo aos demais. Assim, aquele que trafega na faixa esquerda da
via, no limite ou pouco abaixo dele, sente-se o fiscal dos bons
costumes de plantão e tende a não dar passagem ao "apressadinho" —
como até em revista especializada já se viu ser chamado o motorista
que, por gosto ou necessidade, anda mais rápido. Resultado: menor
fluidez do tráfego e uma situação de tensão que poderia facilmente
ser evitada.
Entendo que as campanhas deveriam focar o mau hábito
— e que constitui
infração —
de "comprar a esquerda", pois muitos o fazem mesmo se rodam bem
abaixo do limite. Quando estiver em uma rodovia de três ou mais
faixas de rolamento, o leitor pode observar como a faixa da direita
tende a estar menos ocupada que a da esquerda, logo aquela que
deveria se destinar a ultrapassagens e permanecer o mais livre
possível. Nem mesmo caminhoneiros, obrigados a isso por lei, gostam
de rodar na direita. O que se consegue com esse quadro? Saturação
das faixas que deveriam ser mais rápidas, menor fluidez e um convite
ao motorista impaciente para que ultrapasse pela direita. Não se
trata aqui de dar razão a quem comete tal infração, mas de propor
que se evite criar condições para comportamentos nocivos à segurança
de todos. |
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Inexperiência ou desprezo
E o que dizer quando o "comprador" da faixa esquerda é
justamente quem deveria zelar pela segurança do tráfego, como a
polícia? Cansei de ver — até mesmo esta semana — caminhões de
penitenciárias, escoltados por viaturas da Polícia Militar, ocupando
tal faixa da rodovia em velocidade abaixo do limite. Eles rodam por
ali por questão de segurança, já que seus motoristas ficariam
vulneráveis em eventual ataque pela esquerda se deixassem essa faixa
livre, mas isso não evita retenção do trânsito e um inconveniente
que se arrasta por muitos quilômetros. Quando isso acontece à minha
frente, mantenho-me na faixa da direita e passo pelo comboio
devagar (o que não configura ultrapassagem à direita pelo Código de
Trânsito Brasileiro), mas percebo que uma minoria faz isso. Assim, o
prejuízo à fluidez é inevitável.
Outra corporação — a Polícia Rodoviária — também poderia colaborar
se, nos dias de maior movimento, evitasse reter o fluxo de trânsito
sem necessidade. Claro que a presença policial nas estradas é
importante para impor o respeito à lei e fiscalizar seu cumprimento,
mas o que se vê, muitas vezes, é uma redução de velocidade maior que
a necessária para a fiscalização por simples receio do motorista.
É preciso ainda conscientizar as pessoas do respeito ao fluxo de
trânsito e ao direito de quem vem atrás, seja na cidade ou na
estrada. Quem desce a serra de Campos de Jordão, SP pela SP-123
Rodovia Floriano Rodrigues Pinheiro, em dias com certo movimento,
conhece bem esse problema: seja por inexperiência nesse tipo de
estrada, por desconhecimento do carro que dirigem ou por absoluto
desprezo a seus colegas de tráfego, muitos motoristas — e nem me
refiro a veículos pesados — descem a serra em velocidade
anormalmente baixa, em geral com uso excessivo do freio (em vez de
obter freio-motor por meio de marcha mais baixa), e criam longas e
desgastantes filas. Como parece que uma minoria está apta a efetuar
ultrapassagens com segurança e não há muitos locais onde elas são
permitidas, o corredor se arrasta indefinidamente, crescendo a cada
minuto. O que se conclui é que só deveria pegar estrada, nessas
condições, aquele com experiência bastante para acompanhar o fluxo.
Muitos condutores aparentam-se despreparados até para usar os
sistemas de iluminação e sinalização. Fico espantado quando vejo
alguém rodar na cidade só com as luzes de posição — aquelas
destinadas ao uso com carro estacionado — e chamá-las de "faróis",
ou considerar que o farol baixo — de uso obrigatório do pôr do sol
até o amanhecer, segundo o Código — seria o "farol alto" ou "farol
forte", algo restrito a locais não iluminados. Há tanto os que usam
apenas as luzes de posição por ter colocado lâmpadas decorativas
azuis, praticamente invisíveis pelos demais, quanto os que usam
faróis com lâmpadas adaptadas (de
xenônio ou com tom azulado para imitar as desse tipo) de elevada
potência e facho mal definido, causando ofuscamento aos outros. São
absurdos aos quais a fiscalização deveria ter tolerância zero.
Também se deve orientar sobre o uso indevido de faróis de neblina,
que não iluminam as placas das ruas, e da luz traseira de nevoeiro,
que incomoda quem vem atrás em condições de boa visibilidade.
De resto, as campanhas fariam bem em incentivar a gentileza e o
respeito ao próximo no tráfego. Usar as luzes de direção sempre que
for adequado, verificar previamente se pode fazer uma conversão sem
"fechar" ou atrapalhar alguém, ceder passagem em cruzamentos e
agradecer quando alguém o fizer para você, não reduzir a velocidade
em demasia nos radares e "lombadas eletrônicas" (o erro do
velocímetro, cerca de 5%, e a tolerância de 7 km/h do radar permitem
passar por eles com o ponteiro na velocidade-limite sem risco de
multa), estacionar usando só o espaço destinado a seu carro — sem
invadir a vaga ao lado ou ocupar duas quando forem paralelas à guia
—, não fechar cruzamentos, dar preferência a pedestres e moderar no
uso da buzina e do sistema de áudio são medidas simples, mas que
tornariam a convivência entre os motoristas mais sadia e o cotidiano
nas cidades mais tranquilo.
Quando for curtir seu Carnaval — na folia ou longe dela, como
preferir —, pense em tudo isso. Transmita essas ideias a seus amigos
e familiares. Vamos compensar a visão míope das campanhas dando
atenção a tudo — não só à velocidade e à ausência de álcool na
corrente sanguínea — que afeta nossa segurança e nosso bem-estar
dentro dessa máquina fantástica chamada automóvel. |
É preciso
conscientizar as pessoas do respeito ao fluxo de trânsito e ao
direito de quem vem atrás. Muitos descem a serra em velocidade
anormalmente baixa e criam longas e desgastantes filas. |