Bebida, velocidade e algo mais

Já é tempo de se abordar, nas campanhas de segurança no trânsito,
diversos outros aspectos a que o bom motorista deve dar atenção

por Fabrício Samahá

Chega mais um Carnaval e, como acontece todo ano e o ano todo às vésperas dos principais feriados, a televisão é tomada pelas campanhas de segurança no trânsito, que pedem moderação na velocidade e que volante e bebida não se combinem, entre outras medidas. Muito válido, muito correto. Mas desta vez, como em todas as demais, o que se nota é a concentração das campanhas em poucos aspectos, deixando de lado outras medidas que fariam muito bem ao trânsito e aos que estão nele. Por sugestão do leitor Leandro Fratoni F. Silva, de Diadema, SP, decidi abordar o assunto neste Editorial.

O primeiro aspecto não poderia ser outro: velocidade. Desde que o limite de 80 km/h foi imposto no Brasil nos anos 70 — motivado pela pressão em reduzir o consumo de combustível e a importação do petróleo, que havia se tornado caro desde a crise de 1973 —, criou-se a cultura de que velocidade mata por si só. É como se houvesse enorme risco em trafegar a, por exemplo, 150 km/h em boas condições de tempo e visibilidade em uma boa rodovia como as que dispõe o estado de São Paulo. Uma tese amparada pela intensa fiscalização com as maquininhas de fazer dinheiro chamadas de radares.

Velocidade em si não mata, ou as auto-estradas alemãs sem limite seriam uma carnificina
— na verdade, aquele país tem um trânsito dos mais seguros do mundo. O que mata é a velocidade inadequada às condições, que pode ser de meros 40 km/h se o motorista estiver em uma rua repleta de crianças. Poucos talvez saibam ou se lembrem, mas no começo dos anos 70 a velocidade permitida na SP-280 Rodovia Castello Branco já chegava a 120 km/h. Naquele tempo, como se sabe, Opalas, Dodges e Galaxies com pneus diagonais e até freios dianteiros a tambor estavam entre nossos melhores carros, sendo a grande massa composta de Fuscas, Kombis, Corcéis ou mesmo Gordinis. Como concordar que, hoje, o maior limite vigente no Brasil ainda seja o mesmo que vigorava na Castello há 40 anos?

Ao lançar a velocidade como inimiga pública, as campanhas levam a um efeito colateral: o motorista que por qualquer razão (mesmo uma questão de saúde ou uma grave urgência pessoal em chegar ao destino) pretenda andar acima do limite indicado é mal visto e considerado um perigo aos demais. Assim, aquele que trafega na faixa esquerda da via, no limite ou pouco abaixo dele, sente-se o fiscal dos bons costumes de plantão e tende a não dar passagem ao "apressadinho" — como até em revista especializada já se viu ser chamado o motorista que, por gosto ou necessidade, anda mais rápido. Resultado: menor fluidez do tráfego e uma situação de tensão que poderia facilmente ser evitada.

Entendo que as campanhas deveriam focar o mau hábito
— e que constitui infração — de "comprar a esquerda", pois muitos o fazem mesmo se rodam bem abaixo do limite. Quando estiver em uma rodovia de três ou mais faixas de rolamento, o leitor pode observar como a faixa da direita tende a estar menos ocupada que a da esquerda, logo aquela que deveria se destinar a ultrapassagens e permanecer o mais livre possível. Nem mesmo caminhoneiros, obrigados a isso por lei, gostam de rodar na direita. O que se consegue com esse quadro? Saturação das faixas que deveriam ser mais rápidas, menor fluidez e um convite ao motorista impaciente para que ultrapasse pela direita. Não se trata aqui de dar razão a quem comete tal infração, mas de propor que se evite criar condições para comportamentos nocivos à segurança de todos.

Fabrício Samahá, editor

Inexperiência ou desprezo
E o que dizer quando o "comprador" da faixa esquerda é justamente quem deveria zelar pela segurança do tráfego, como a polícia? Cansei de ver — até mesmo esta semana — caminhões de penitenciárias, escoltados por viaturas da Polícia Militar, ocupando tal faixa da rodovia em velocidade abaixo do limite. Eles rodam por ali por questão de segurança, já que seus motoristas ficariam vulneráveis em eventual ataque pela esquerda se deixassem essa faixa livre, mas isso não evita retenção do trânsito e um inconveniente que se arrasta por muitos quilômetros. Quando isso acontece à minha frente, mantenho-me na faixa da direita e passo pelo comboio devagar (o que não configura ultrapassagem à direita pelo Código de Trânsito Brasileiro), mas percebo que uma minoria faz isso. Assim, o prejuízo à fluidez é inevitável.

Outra corporação — a Polícia Rodoviária — também poderia colaborar se, nos dias de maior movimento, evitasse reter o fluxo de trânsito sem necessidade. Claro que a presença policial nas estradas é importante para impor o respeito à lei e fiscalizar seu cumprimento, mas o que se vê, muitas vezes, é uma redução de velocidade maior que a necessária para a fiscalização por simples receio do motorista.

É preciso ainda conscientizar as pessoas do respeito ao fluxo de trânsito e ao direito de quem vem atrás, seja na cidade ou na estrada. Quem desce a serra de Campos de Jordão, SP pela SP-123 Rodovia Floriano Rodrigues Pinheiro, em dias com certo movimento, conhece bem esse problema: seja por inexperiência nesse tipo de estrada, por desconhecimento do carro que dirigem ou por absoluto desprezo a seus colegas de tráfego, muitos motoristas — e nem me refiro a veículos pesados — descem a serra em velocidade anormalmente baixa, em geral com uso excessivo do freio (em vez de obter freio-motor por meio de marcha mais baixa), e criam longas e desgastantes filas. Como parece que uma minoria está apta a efetuar ultrapassagens com segurança e não há muitos locais onde elas são permitidas, o corredor se arrasta indefinidamente, crescendo a cada minuto. O que se conclui é que só deveria pegar estrada, nessas condições, aquele com experiência bastante para acompanhar o fluxo.

Muitos condutores aparentam-se despreparados até para usar os sistemas de iluminação e sinalização. Fico espantado quando vejo alguém rodar na cidade só com as luzes de posição — aquelas destinadas ao uso com carro estacionado — e chamá-las de "faróis", ou considerar que o farol baixo — de uso obrigatório do pôr do sol até o amanhecer, segundo o Código — seria o "farol alto" ou "farol forte", algo restrito a locais não iluminados. Há tanto os que usam apenas as luzes de posição por ter colocado lâmpadas decorativas azuis, praticamente invisíveis pelos demais, quanto os que usam faróis com lâmpadas adaptadas (de xenônio ou com tom azulado para imitar as desse tipo) de elevada potência e facho mal definido, causando ofuscamento aos outros. São absurdos aos quais a fiscalização deveria ter tolerância zero. Também se deve orientar sobre o uso indevido de faróis de neblina, que não iluminam as placas das ruas, e da luz traseira de nevoeiro, que incomoda quem vem atrás em condições de boa visibilidade.

De resto, as campanhas fariam bem em incentivar a gentileza e o respeito ao próximo no tráfego. Usar as luzes de direção sempre que for adequado, verificar previamente se pode fazer uma conversão sem "fechar" ou atrapalhar alguém, ceder passagem em cruzamentos e agradecer quando alguém o fizer para você, não reduzir a velocidade em demasia nos radares e "lombadas eletrônicas" (o erro do velocímetro, cerca de 5%, e a tolerância de 7 km/h do radar permitem passar por eles com o ponteiro na velocidade-limite sem risco de multa), estacionar usando só o espaço destinado a seu carro — sem invadir a vaga ao lado ou ocupar duas quando forem paralelas à guia —, não fechar cruzamentos, dar preferência a pedestres e moderar no uso da buzina e do sistema de áudio são medidas simples, mas que tornariam a convivência entre os motoristas mais sadia e o cotidiano nas cidades mais tranquilo.

Quando for curtir seu Carnaval — na folia ou longe dela, como preferir —, pense em tudo isso. Transmita essas ideias a seus amigos e familiares. Vamos compensar a visão míope das campanhas dando atenção a tudo — não só à velocidade e à ausência de álcool na corrente sanguínea — que afeta nossa segurança e nosso bem-estar dentro dessa máquina fantástica chamada automóvel.

É preciso conscientizar as pessoas do respeito ao fluxo de trânsito e ao direito de quem vem atrás. Muitos descem a serra em velocidade anormalmente baixa e criam longas e desgastantes filas.

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Data de publicação: 13/2/10

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