As
dúvidas destes e de outros leitores mostram que, ao lado da difusão
dos carros flexíveis em combustível de fábrica, ganham espaço no
mercado de pós-venda os kits que prometem converter o motor para uso
de álcool ou mesmo torná-lo flexível, permitindo também o uso de
gasolina ou dos combustíveis misturados.
Como o Best Cars esclareceu em
artigo publicado em 2002, passar
a usar álcool em um carro a gasolina requer alguns cuidados. A central
eletrônica do motor, que controla injeção e ignição, é o primeiro
ponto: sem uma reprogramação por técnico capacitado, o motor não
consegue trabalhar perfeitamente com o novo combustível, o que leva a
prejuízo em desempenho, falhas de funcionamento e partida difícil com
motor frio. O consumo pode até parecer bom, pois um motor que opera
com mistura ar-combustível pobre (menor proporção de combustível que a
correta) tende a consumir menos, mas os demais inconvenientes anulam
essa vantagem.
Essa reprogramação eletrônica (seja do chip original, seja pela
instalação de módulo auxiliar ou mesmo a troca do chip por um com
programação diferente) é o principal elemento dos kits de conversão
anunciados. Claro que é possível obter funcionamento perfeito, mas não
é um trabalho simples nem barato
— que
o digam os preparadores de motores. Assim, o Best Cars põe em
dúvida se o serviço foi feito de modo apropriado, para cada modelo e
versão de automóvel, por todas as empresas que vendem kits. Um erro
nesse trabalho pode levar a consumo elevado e perda de desempenho.
Mesmo que a parte eletrônica seja bem efetuada, há outros pontos que
requerem atenção. A bomba de combustível e todo o sistema de
alimentação dos motores a gasolina não estão preparados para o poder
corrosivo do álcool em proporção elevada (na gasolina padrão o teor de
álcool fica em cerca de 25%). Resultado: tendência a corrosão
prematura, que no caso da bomba pode levar à parada repentina do
veículo, além de exigir a troca de um item que não é barato.
Em alguns
motores, os bicos injetores e as velas podem também ter de ser
trocados por outros adequados ao álcool, o que onera a conversão. Há
ainda a questão das sedes de válvula sem a dureza necessária para o
motor funcionar com álcool, pois este combustível não tem enxofre, um
lubrificante natural. Em pouco tempo as sedes se desgastam e
comprometem o motor. E vale
notar que a taxa de compressão da
maioria dos motores a gasolina é baixa demais para uso de álcool, o
que por si só impõe menor desempenho e maior consumo.
De resto, não há como esperar bom funcionamento e partida a frio sob
baixa temperatura (menos de 15° C) ao usar álcool, a não ser que seja
instalado o sistema de injeção a gasolina. Aplicá-lo a um carro que
tenha versão flexível ou a álcool é complexo; se não houver essa opção
na linha, torna-se um desafio. Pode-se contornar o problema usando um
pouco de gasolina (15% a 20%) no álcool, como ocorre no E85 (85%
etanol, 15% gasolina) vendido em outros países, mas fazer a mistura
diretamente no tanque é sempre um incômodo. E perde-se parte da
vantagem financeira do uso de álcool, objetivo da conversão.
Tudo somado, o Best Cars não recomenda os kits, porque um
trabalho apropriado de conversão não pode ser feito pelo valor e com a
facilidade anunciados por seus fabricantes. E, se fosse efetuado,
seria preciso rodar por muito tempo com álcool a baixo preço para
compensar o investimento, cabendo lembrar que o custo desse
combustível está sujeito a grandes oscilações conforme a região, a
época do ano e o humor dos usineiros.
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