Um fastback derivado do Coronet,
o primeiro Charger de 1966 tinha os faróis escondidos, painel
bem-equipado e bancos traseiros rebatíveis
Em 1967 o motor Magnum V8 de 7,2
litros ampliava a oferta, então com cinco opções de cilindrada; notem-se
faróis escamoteáveis e lanternas |
Em
1964 o engenheiro-chefe da Pontiac
John DeLorean fez uma
experiência: colocou no cofre de um discreto modelo médio
Tempest o maior V8 disponível na casa — um
6,3-litros com potência bruta de 325 cv.
Nascia ali com o GTO o conceito dos
muscle cars ou carros-musculosos, modelos mais compactos (pelos padrões
dos Estados Unidos, claro), com acabamento simplificado e potência das
maiores. Eram feitos para quem gostava de acelerar. Dois anos depois a
divisão Dodge da Chrysler via o GTO e outros modelos, como
Ford Mustang e
Chevrolet Chevelle, fazendo a
festa e marcando literalmente o asfalto das ruas. Sem querer ficar de
fora do circo de potência, a empresa lançava em janeiro de 1966 um dos
grandes ícones da era dos musculosos: o Charger.
A inspiração veio do médio Coronet.
O novo modelo era sua versão fastback,
com duas portas e uma traseira longa e de caimento suave. Não havia
coluna central e, na dianteira, os faróis duplos circulares eram
encobertos pela grade, com seção que se retraía de forma automática com
o acendimento das luzes (podiam também ser mantidos aparentes ao comando
do motorista). Na traseira as lanternas compunham um filete horizontal
com o nome Charger grafado com letras espaçadas, bastante
elegante. Por dentro os bancos dianteiros eram individuais, o painel
recebia mostradores circulares e os bancos individuais traseiros podiam ser rebatidos
para ampliar o espaço de bagagem, a exemplo do
Plymouth Barracuda, com o qual ele se parecia em linhas gerais. O
entre-eixos era enorme, com 2,97 metros, e o comprimento chegava a 5,17
m. O peso também era generoso: pouco mais de 1.600 kg. Fugindo do lugar
comum no mercado, a carroceria era do tipo
monobloco e, para conter sua inclinação em acelerações vigorosas,
era adicionada uma mola semielítica somente no lado direito do eixo
traseiro.
Se o estilo não tinha muito equilíbrio estético — as colunas traseiras
eram muito largas —, no quesito potência o novo musculoso do mercado não
deixava a desejar. O motor básico era o V8 da linha A de 318 polegadas
cúbicas (5,2 litros) com carburador de corpo duplo e 230 cv, seguido
pelas opções 361 de 5,9 litros da série B (carburador duplo, 265 cv),
383 de 6,3 litros da mesma família (também duplo, 325 cv) e a estrela da
linha, o Hemi (nome dado por conta da construção das
câmaras de combustão em formato hemisférico)
426 da série RB, com 7,0 litros, dois carburadores Carter de corpo
quádruplo, 425 cv e 67,7 m.kgf de torque — o suficiente para um
desempenho que seria considerado muito bom até nos
dias de hoje. Todos os valores citados são brutos, padrão neste artigo
até 1971. A caixa de câmbio manual de três marchas vinha na coluna de
direção, mas havia também a manual de quatro com alavanca no assoalho e
a automática de três marchas — as duas últimas exclusivas do motor Hemi.
Naquele ano a revista Popular Science colocou o Charger Hemi em
confronto ao Mercury
Comet Cyclone GT e ao Chevelle SS 396. Embora mais potente, o Dodge
perdeu em aceleração para o mais leve Chevelle, com 0 a 96 km/h em 5,7
segundos, ante 5,5 do Chevrolet e 6,1 do Mercury. Foi elogiado pelos
freios a disco dianteiros, únicos disponíveis no trio, mas a revista
observou que seu rodar era menos confortável que o do SS 396, que os
pneus deveriam ser mais largos e que o nível de ruído era "irritante
mesmo em baixas rotações". Sobre sua estabilidade, a matéria descrevia a
tendência a leve subesterço, "mas um pé
pesado no acelerador traz rápido a traseira para fora e o carro sai da
curva em atitude sobresterçante". A
receita de potência em um pacote mais esportivo e com exclusividade não
poderia dar errado em um momento onde os musculosos eram febre, mas as
vendas do novo Dodge em 1966 foram tímidas, apesar da garantia de cinco
anos ou 80 mil quilômetros.
Em dezembro a mesma Popular Science comentava: "Não é segredo que
a Dodge anda desapontada com as vendas do carro e culpa seu tamanho e
seu preço". Já se falava da remodelação para 1968 e da necessidade de
fazê-lo custar tanto quanto o Mustang, o
Chevrolet Camaro, o Barracuda e
o Mercury Cougar. Muito poucas
unidades do Charger — 468 carros — saíram com o poderoso Hemi. No modelo
1967 um novo motor chegava ao catálogo: o V8 440 Magnum da linha RB com
7,2 litros, um carburador quádruplo, 373 cv e 66,3 m.kgf. Apesar de
menos potente que o Hemi, logo ganhou a preferência dos compradores por
ser mais robusto — derivava dos propulsores dos utilitários da
corporação —, mais barato e ter melhores respostas em baixa rotação. O
carro também recebia instrumentação completa no painel, como manômetro
de óleo e conta-giros, além de alguns novos cromados na carroceria,
discos de freios maiores, estabilizadores mais grossos na suspensão e a
opção de teto revestido em vinil. Para o conforto havia ar-condicionado
e controle elétrico para vidros e retrovisores. A versão 318 adotava o
motor da nova linha LA, que substituía a série A, e o 383 passava a usar
carburador de corpo duplo em vez de quádruplo.
Em comparativo ao AMC Marlin, a revista
Motor Trend descrevia o Charger: "O som do Hemi de 425 cv ao ser
ligado é inconfundível. Não é realmente alto, mas poderoso e transmite
autoridade. Apenas os Mustangs
Shelby 350 e 500 oferecem um som comparável. (...) Achamos o 383 um
compromisso muito razoável. Embora ele não tenha queimado pneus até nós
o fazermos, nunca faltou potência com os 325 cv. (...) Em comportamento,
se um dos carros é melhor que o resto, é o Charger 318 em razão de sua
distribuição de peso. Com o menor V8, ele chega bem perto da divisão
50-50 entre os eixos. Passar aos motores maiores prejudica isso um pouco, mas mesmo a
versão Hemi, que adiciona mais de 135 kg à frente e 180 ao carro todo,
não tem forte tendência a sair de frente. (...) O melhor do Charger é
que ele oferece estágios de desempenho escalonados para atrair o maior
número de pessoas possível. A base da linha foi escolhida de forma a não
detratar sua imagem de potência, ao fornecer um motor não menor do que a
maioria escolheria, enquanto se colocaram no topo da linha motores tão
quentes quanto os que qualquer um oferece".
Continua
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