Consultório de Preparação


por Iran Cartaxo


Um Gol com turbo à beira do prejuízo


Instalei em meu Gol CL Mi 1.6 97 um kit turbo Larus. Após algum tempo percebi uma certa perda de rendimento do motor em altas velocidades. A cerca de 120 km/h o carro pára de aumentar a velocidade; então alivio o pé no acelerador, descarregando toda a pressão, e volto a acelerar, o que o faz atingir no máximo 140 km/h. A impressão é de que o sistema de alimentação deixa de funcionar. Gostaria de saber desta conceituada equipe técnica o que poderia estar causando esta perda de performance, pois na arrancada ele funciona muito bem.

Pressão utilizada, 0,4 bar, mas hoje em altas rotações o manômetro registra 0,6 a 0,65 bar; sistema de injeção inalterado, sem bicos injetores adicionais; não há intercooler e radiador de óleo; não foram feitas alterações no interior do motor.
Quando utilizo gasolina Premium e/ou aditivos de alta octanagem, a falha ocorre após os 140 km/h; com gasolina comum, entre 100 e 120 km/h.

O que é necessário fazer na manutenção periódica de um veículo como este, adquirido zero-quilômetro e sem a manutenção do fabricante devido à instalação do turbocompressor? Gostaria de saber também a potência de meu carro.

Nelson Clausen Netto
clausen@solar.com.br

Brasília, DF


Após recebermos sua carta, Nelson, percebemos a necessidade de pronto e rápido atendimento para evitar maiores prejuízos ao motor. Enviamos-lhe um e-mail com as informações básicas das providências a tomar até que a consulta fosse publicada. Para conhecimento dos demais leitores, publicamos a resposta enviada:


Pelo que você nos descreveu pudemos identificar que seu carro necessita de pronta correção para evitar danos mais sérios ao motor. Motivo: a válvula de alívio de seu turbo desregulou-se, o que causou aumento na pressão máxima fornecida. Seu carro está então sofrendo uma pequena detonação que só se manifesta em determinadas condições, quando a turbina está fornecendo a máxima pressão, daí seu carro não passar de determinada velocidade. Este problema está danificando seu motor, pode já estar estragando as velas e até estar a caminho de queimar a junta do cabeçote ou furar um pistão.

Seu turbo foi montado com uma técnica ultrapassada que traz desvantagens e riscos ao motor. O preparador deve ter somente aumentado a pressão na linha de combustível para garantir alimentação com o turbo, mas isso só surte efeito até uma pressão aproximada de 0,4 kg/cm
2 -- acima disso começa a ocorrer a detonação.

A solução, que deve ser adotada imediatamente para evitar danos maiores ao motor, é reduzir a pressão do turbo para 0,2 kg/cm
2. Como o motor pode já estar um pouco danificado, à pressão de 0,4 kg/cm2 ainda seria possível que o problema se verificasse.

Para reduzir a pressão procure no coletor de escape, próximo a turbina, uma válvula semelhante à válvula de prioridade: é a válvula de alívio. Diminua a regulagem desatarraxando o parafuso que existe em cima da válvula de alívio, até que a pressão máxima não ultrapasse 0,2 kg/cm
2. Para tanto é preciso testar o carro e voltar a regular caso a pressão não chegue ao patamar desejado. Com esse procedimento seu carro estará protegido de maiores danos e você poderá continuar rodando.


O leitor então nos solicitou maiores informações para ajustar por si próprio a válvula de alívio, ao mesmo tempo em que forneceu detalhes que vieram confirmar nosso diagnóstico:


O preparador disse para prestar atenção quando o motor fizer um barulho que ele chama de "grilar". Tenho percebido que em altas rotações isto vem acontecendo. Deve-se à regulagem? É realmente preocupante?

Ele disse também que eu deveria trocar a sonda lambda do escapamento, pois a minha já estaria danificada. Procurei a autorizada VW e me disseram que esta peça tem uma autonomia aproximada de 200.000 km, e que mesmo num motor turboalimentado não deveria estar danificada. Existe razão em alguma das opiniões?


Esclarecemos então ao leitor sobre a regulagem da válvula e da pressão da linha de combustível, além do que segue:


"Grilo" é uma expressão informal para detonação ou pré-ignição, ou ainda "batida de pino". É o que está danificando seu motor e realmente foi causado pela má instalação do turbo e pelo aumento paulatino da pressão.

A autorizada VW está certa: a durabilidade da sonda lambda é mesmo alta, mas ela pode ter sido danificada quando da instalação do turbo (mexe-se muito no sistema de escapamento, onde ela é instalada). Isso pode trazer mais problemas mas, se a luz de injeção não está acendendo no painel, não há defeito na sonda.


Podemos agora responder às perguntas que não exigiam atendimento imediato.

A questão de manutenção em carros preparados é uma dúvida dos proprietários nem sempre esclarecida a contento, apesar da extrema importância. Deve-se seguir as orientações, prazos e procedimentos descritos no manual do proprietário, exceto para a troca de óleo e a manutenção das peças do kit, que têm regras próprias.

As curvas de potência (as mais altas) e de torque estimadas para o Gol original de 1,6 litro e injeção multiponto (em azul), com turbo a 0,4 kg/cm2 e a regulagem feita anteriormente (em rosa), com turbo a 0,4 kg/cm2 e a instalação e regulagem corretas (em verde), e com turbo a 0,6 kg/cm2 e intercooler (em vermelho)

Clique aqui para ver as curvas de potência e torque ampliadas


A troca de óleo deve ser mais freqüente que no motor original, pois o uso intensivo e as cargas térmicas e mecânicas impostas pelo turbo aceleram sua deterioração. O período de troca de um motor como o seu, Nelson, pode ficar em torno de 5.000 km, mas preparações mais pesadas exigem troca ainda mais freqüente. O uso de óleo sintético -- que quase não se deteriora e é trocado sobretudo para evitar o excesso de impurezas -- é recomendável e permite alongar o prazo para 15.000 km.

O turbo quase não exige manutenção. As válvulas de alívio e de prioridade e o dosador de combustível são as peças de desgaste mais rápido, pois possuem membranas que duram cerca de 50.000 km. Quanto à turbina, deve-se (sempre que se colocar o carro num elevador para serviços) inspecionar por baixo se não apresenta vazamentos de óleo, nos dutos de lubrificante (o que vem da bomba de óleo e o que retorna o óleo ao cárter) ou na junção das carcaças fria e quente (compressor e turbina) com o corpo do eixo que liga os dois "caracóis". A durabilidade do turbo em geral se aproxima da vida útil do motor, sendo necessário a troca do reparo do turbo -- ou de todo o equipamento -- só quando o motor é retificado.

Simulamos para seu carro a preparação que foi feita, com turbo a 0,4 kg/cm2 e a ultrapassada regulagem adotada; a preparação que deveria ter sido feita, com a correta regulagem e turbo também a 0,4 kg/cm2; e uma preparação com turbo a 0,6 kg/cm2 e intercooler, para aumentar ainda mais o desempenho do Gol.

Confira o desempenho estimado:

  Original Regulagem atual e
0,4 kg/cm
2
Regulagem correta e
0,4 kg/cm
2
Turbo e intercooler a 0,6 kg/cm2
Potência máxima 89 cv 110 cv 124 cv 147 cv
Rotação de potência máxima 5500 rpm 5300 rpm 5500 rpm 5500 rpm
Velocidade máxima 170 km/h 182 km/h 190 km/h 201 km/h
Rotação à velocidade máxima 4440 rpm 4775 rpm 4970 rpm 5260 rpm
Aceleração de 0 a 100 km/h 13,3 s 10,7 s 9,5 s 8,0 s
Torque máximo 13,2 mkgf 14,8 mkgf 18,5 mkgf 22,0 mkgf
Rotação de torque máximo 3250 rpm 3800 rpm 3250 rpm 3250 rpm
Encurtamento recomendado na relação de transmissão - 9,9 % 9,7 % 4,3 %
Aumento recomendado na injeção de combustível - não fornecido pelo leitor 33,3 % 50,0 %
Aceleração longitudinal no interior do veículo 0,47 g 0,58 g 0,65 g 0,78 g
A margem de erro é de 5% (para cima ou para baixo), considerando-se instalação bem-feita. Calculamos a aceleração de 0 a 100 km/h e a aceleração longitudinal máxima (sentida no interior do automóvel) a partir da eficiência de transmissão de potência ao solo do carro original. Para atingir os resultados estimados pode ser necessária a recalibragem da suspensão, reforços no monobloco e/ou o emprego de pneus mais largos. A velocidade máxima estimada só será atingida com o ajuste recomendado da relação final de transmissão. Os resultados de velocidade são para velocidade real, sem considerar eventual erro do velocímetro. A rotação à velocidade máxima é calculada considerando a relação atual de transmissão.
Algoritmo de simulação de preparação de motores desenvolvido pelo consultor
Iran Cartaxo, de Brasília, DF.


Seu carro já deve estar com as velas danificadas pela detonação, pode ter ocorrido a queima da junta do cabeçote ou um princípio de queima, e até os pistões podem ter sido afetados. Assim, para andar tranqüilo e desfrutar do máximo desempenho de seu carro, recomendamos retirar o cabeçote para verificar o estado do motor e, se necessário, substituir os componentes danificados.

A instalação feita em seu carro seguiu uma técnica ultrapassada, desenvolvida quando os preparadores brasileiros ainda não sabiam como regular a injeção para operar com o turbo. Neste tipo de instalação não se deve usar pressões maiores que 0,4 kg/cm2, sob pena de a detonação aparecer, e a única regulagem adotada é o aumento da pressão na linha de combustível. As desvantagens deste método são muitas, entre as quais o alto consumo quando o turbo não está operando, a redução da vida útil dos bicos injetores e a alta propensão a falhas e à detonação.

As técnicas de instalação atuais utilizam métodos mais sofisticados para adaptar a injeção ao turbo: o remapeamento da injeção, a adição de uma caixa extra de gerenciamento de injeção e ignição, a troca de bicos injetores por outros de maior vazão ou a colocação de bicos extras, entre outras técnicas (clique aqui para saber mais).

Esperamos que estes esclarecimentos lhe permitam corrigir os problemas que vem enfrentando com o turbo, e que você possa finalmente desfrutar com tranquilidade seu carro preparado. Agradecemos a confiança depositada e a oportunidade de mostrarmos aos leitores que é possível diagnosticar um problema à distância, desde que exista uma participação ativa do leitor.



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