Data de publicação: 9/6/12

Sucateamento, já!

Em vez de simples redução de imposto, que tal estimular a renovação
da frota por meio de incentivo a quem der o carro velho na troca?

por Roberto Agresti

Não sei o que Juscelino Kubitschek, "pai" da indústria automobilística no Brasil, acharia do tratamento que o governo oferece ao segmento no Brasil. Se vivo, JK completaria 110 anos em setembro próximo; estaria um caco de velho, sem condição de avaliar esse Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) que desce mediante a mínima balançada das vendas dos automóveis.

Pátio cheio? Antes mesmo que fabricantes e sua rede de distribuidores pensem em alguma promoção, redução de preço ou outro mimozinho para nos atiçar de novo a vontade de comprar um carrinho ou carrão novo... ZÁS! O governo tira um pouco daquele monte de impostos e o preço cai.

Juscelino, presidente da República de 1956 a 1961, último mineiro eleito pelo voto direto antes de Dilma, tinha um mote forte para sua administração — 50 anos em cinco — e fez um governo que "causou": além de construir a capital Brasília, trouxe a nosso país a Volkswagen, a Simca, incentivou as operações da Williys-Overland e acarinhou Ford e General Motors (que, porém, só foram fabricar carros bem mais adiante) e encheu nossas ruas de fumacentos DKWs fabricados pela Vemag.

Não sei se Juscelino "acarpetou" a vinda dessas fábricas ao Brasil oferecendo-lhes terrenos, isenções fiscais e outros agradinhos tão em voga atualmente quando qualquer empresa do setor acena com a possibilidade de se instalar aqui, mas ele conseguiu seu intento de formar um parque industrial dedicado à construção de veículos, coisa que muito país importante não tem. Ironicamente, JK (cujas iniciais batizaram um modelo de Alfa Romeo fabricado no estado do Rio de Janeiro pela extinta FNM, Fábrica Nacional de Motores) morreu em um acidente de automóvel, em um Opala, na via Dutra, em 1976.

O bom tratamento dado aos fabricantes de automóveis, no passado e agora, não ocorreu por ter sido Juscelino um autoentusiasta ou Dilma ter gasolina (ou álcool hidratado...) nas veias, mas sim porque a indústria automobilística é uma das mais importantes molas propulsoras da economia de nosso tempo. Desde o momento em que o Brasil optou por rodovias em detrimento ao transporte ferroviário, ao que consta no extenso período de poder de Getúlio Vargas (1930-1945), montar ou, melhor ainda, fabricar carros, caminhões e ônibus no Brasil significou emprego, faturamento, lucro certo e, para o governo, arrecadação.

Todavia, essa cinquentenária realidade do carro "made in Brasil" parece estar ganhando contornos estranhos. Praticamente na sequência da redução do IPI, surgiram notícias na imprensa dando conta de que a presidente estaria com vontade de abrir a "caixa preta" dos lucros dos fabricantes, respaldada por uma fortíssima percepção de que o mercado brasileiro é maravilhoso para as indústrias — aqui há quem compre, por assim dizer, Volkswagen a preço de Porsche.

Será mesmo que a decidida governante mexerá no vespeiro? Como interpretar esse "assopra e morde", no qual ela amolece o IPI e logo depois avisa querer saber quanto a Kombi ou o Mille dão de lucro real a seus fabricantes? Duvidar que essa atitude intimidadora ocorrerá de fato é lícito, mesmo porque o capitalismo e a democracia têm no livre comércio e no decorrente lucro seus pilares. Isso torna a intervenção, qualquer metida de bedelho nos livros contábeis das empresas que seja, uma atitude totalitarista bastante inconveniente para um país como o nosso com pretensões de potência (assento no conselho de segurança da ONU e assim por diante), mesmo sendo Dilma uma ex-militante do VAR-Palmares. Concordam?

Vozes insatisfeitas
Percebemos ou não que, apesar da insistente campanha para comprar carros zero-quilômetro, há ruídos cá e lá, vozes mais do que insatisfeitas com o atual preço de tudo no Brasil, inclusive — ou em especial — automóveis? Parece que sim. Quem lê o que escrevo me avisa, ora gentilmente, ora aos berros, que o carro A, B ou C pode ser tudo aquilo ou nada daquilo do que digo, mas que é insuportavelmente caro. Eu concordo? Claro que concordo.

Custo Brasil, voracidade do governo, ganância dos fabricantes, leniência dos compradores: há inúmeras formas de justificar por que razão um carro daqui custa bem mais do que o similar de lá, ou até mesmo por qual milagre um Honda City fabricado em Sumaré, SP, custa muito mais em Sumaré do que na cidade do México, depois de tantos dias de navio.

Mistérios que não saberemos desvendar, mas que incomodam cada vez mais um tipo de brasileiro que está em franco desenvolvimento: o contestador, o bem informado, o que não engole mais as coisas como elas são só porque elas assim são.

Volto a Juscelino: se vivo, aos 110, estaria um bagaço. Se o Opala em que morreu não tivesse dado perda total, com grande chance seria um resto de ferrugem jogado num matagal. O mundo gira, a lusitana roda, a fila anda e aqui, nesse país onde — apesar dos quase 300 km de espetacular congestionamento de uma recente sexta-feira em São Paulo — a vontade de vender carros é tão grande quanto a vontade de comprar, ninguém fala em uma coisa posta em prática em muitos lugares tidos como mais desenvolvidos que nosso rincão: o sucateamento como incentivo de venda.

A Europa, o velho continente que outrora foi rico, vive há anos uma crise sem precedentes e, é claro, com vendas de carros que não são mais o que foram um dia. Às voltas com essa nova e dura realidade, e confrontados com a necessidade de "correr atrás do prejuízo" ambiental após décadas de emissões desenfreadas (tópico no qual o carro é apenas um dos vilões, já que emissões industriais e os sistemas de aquecimento para combater invernos rígidos também cuspiram veneno à vontade na atmosfera), a solução para a equação — vender mais e poluir menos, assunto ainda distante por aqui — é o incentivo que, em vez de reduzir imposto, oferece dinheiro vivo para quem na troca por um carro novo entrega seu carro velho para o sacrifício.

Se acaso o carro zero-quilômetro a ser escolhido for "verde", ou seja, econômico e pouco poluente, em países como a Itália o bônus chega a até 3.500 euros (algo como R$ 9 mil), valor muito acima do eventual valor de mercado de carros equivalentes a nossos Brasílias e Veronas, impiedosa e adequadamente mandados ao matadouro. Mas a coisa tem de ser séria: tem de tirar mesmo de circulação o carro velho, poluente e perigoso, parte essencial do processo. Desse modo não só a indústria se move, vende, como o meio ambiente (como o trânsito, a fluidez das estradas, a segurança...) agradece por se livrar do entulho.

Isso, sim, seria um bom incentivo, quase o tal 50 anos em cinco. Ninguém pensa nisso? Ninguém fala disso? Creio que Juscelino Kubitschek, se vivo, gostaria.

Custo Brasil, voracidade do governo, ganância dos fabricantes: por que um carro daqui custa bem mais do que o similar de lá
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