Não sei o que
Juscelino Kubitschek, "pai" da indústria automobilística no Brasil,
acharia do tratamento que o governo oferece ao segmento no Brasil.
Se vivo, JK completaria 110 anos em setembro próximo; estaria um
caco de velho, sem condição de avaliar esse Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) que desce mediante a mínima balançada das
vendas dos automóveis.
Pátio cheio? Antes mesmo que fabricantes e sua rede de
distribuidores pensem em alguma promoção, redução de preço ou outro
mimozinho para nos atiçar de novo a vontade de comprar um carrinho
ou carrão novo... ZÁS! O governo tira um pouco daquele monte de
impostos e o preço cai.
Juscelino, presidente da República de 1956 a 1961, último mineiro
eleito pelo voto direto antes de Dilma, tinha um mote forte para sua
administração — 50 anos em cinco — e fez um governo que "causou":
além de construir a capital Brasília, trouxe a nosso país a
Volkswagen, a Simca, incentivou as operações da Williys-Overland e
acarinhou Ford e General Motors (que, porém, só foram fabricar
carros bem mais adiante) e encheu nossas ruas de fumacentos DKWs
fabricados pela Vemag.
Não sei se Juscelino "acarpetou" a vinda dessas fábricas ao Brasil
oferecendo-lhes terrenos, isenções fiscais e outros agradinhos tão
em voga atualmente quando qualquer empresa do setor acena com a
possibilidade de se instalar aqui, mas ele conseguiu seu intento de
formar um parque industrial dedicado à construção de veículos, coisa
que muito país importante não tem. Ironicamente, JK (cujas iniciais
batizaram um modelo de Alfa Romeo fabricado no estado do Rio de
Janeiro pela extinta FNM, Fábrica Nacional de Motores) morreu em um
acidente de automóvel, em um Opala, na via Dutra, em 1976.
O bom tratamento dado aos fabricantes de automóveis, no passado e
agora, não ocorreu por ter sido Juscelino um autoentusiasta ou Dilma
ter gasolina (ou álcool hidratado...) nas veias, mas sim porque a
indústria automobilística é uma das mais importantes molas
propulsoras da economia de nosso tempo. Desde o momento em que o
Brasil optou por rodovias em detrimento ao transporte ferroviário,
ao que consta no extenso período de poder de Getúlio Vargas
(1930-1945), montar ou, melhor ainda, fabricar carros, caminhões e
ônibus no Brasil significou emprego, faturamento, lucro certo e,
para o governo, arrecadação.
Todavia, essa cinquentenária realidade do carro "made in Brasil"
parece estar ganhando contornos estranhos. Praticamente na sequência
da redução do IPI, surgiram notícias na imprensa dando conta de que
a presidente estaria com vontade de abrir a "caixa preta" dos lucros
dos fabricantes, respaldada por uma fortíssima percepção de que o
mercado brasileiro é maravilhoso para as indústrias — aqui há quem
compre, por assim dizer, Volkswagen a preço de Porsche.
Será mesmo que a decidida governante mexerá no vespeiro? Como
interpretar esse "assopra e morde", no qual ela amolece o IPI e logo
depois avisa querer saber quanto a Kombi ou o Mille dão de lucro
real a seus fabricantes? Duvidar que essa atitude intimidadora
ocorrerá de fato é lícito, mesmo porque o capitalismo e a democracia
têm no livre comércio e no decorrente lucro seus pilares. Isso torna
a intervenção, qualquer metida de bedelho nos livros contábeis das
empresas que seja, uma atitude totalitarista bastante inconveniente
para um país como o nosso com pretensões de potência (assento no
conselho de segurança da ONU e assim por diante), mesmo sendo Dilma
uma ex-militante do VAR-Palmares. Concordam? |
Vozes
insatisfeitas
Percebemos ou não que, apesar da insistente campanha para
comprar carros zero-quilômetro, há ruídos cá e lá, vozes mais do que
insatisfeitas com o atual preço de tudo no Brasil, inclusive — ou em
especial — automóveis? Parece que sim. Quem lê o que escrevo me
avisa, ora gentilmente, ora aos berros, que o carro A, B ou C pode
ser tudo aquilo ou nada daquilo do que digo, mas que é
insuportavelmente caro. Eu concordo? Claro que concordo.
Custo Brasil, voracidade do governo, ganância dos fabricantes,
leniência dos compradores: há inúmeras formas de justificar por que
razão um carro daqui custa bem mais do que o similar de lá, ou até
mesmo por qual milagre um Honda City fabricado em Sumaré, SP, custa
muito mais em Sumaré do que na cidade do México, depois de tantos
dias de navio.
Mistérios que não saberemos desvendar, mas que incomodam cada vez
mais um tipo de brasileiro que está em franco desenvolvimento: o
contestador, o bem informado, o que não engole mais as coisas como
elas são só porque elas assim são.
Volto a Juscelino: se vivo, aos 110, estaria um bagaço. Se o Opala
em que morreu não tivesse dado perda total, com grande chance seria
um resto de ferrugem jogado num matagal. O mundo gira, a lusitana
roda, a fila anda e aqui, nesse país onde — apesar dos quase 300 km
de espetacular congestionamento de uma recente sexta-feira em São
Paulo — a vontade de vender carros é tão grande quanto a vontade de
comprar, ninguém fala em uma coisa posta em prática em muitos
lugares tidos como mais desenvolvidos que nosso rincão: o
sucateamento como incentivo de venda.
A Europa, o velho continente que outrora foi rico, vive há anos uma
crise sem precedentes e, é claro, com vendas de carros que não são
mais o que foram um dia. Às voltas com essa nova e dura realidade, e
confrontados com a necessidade de "correr atrás do prejuízo"
ambiental após décadas de emissões desenfreadas (tópico no qual o
carro é apenas um dos vilões, já que emissões industriais e os
sistemas de aquecimento para combater invernos rígidos também
cuspiram veneno à vontade na atmosfera), a solução para a equação —
vender mais e poluir menos, assunto ainda distante por aqui — é o
incentivo que, em vez de reduzir imposto, oferece dinheiro vivo para
quem na troca por um carro novo entrega seu carro velho para o
sacrifício.
Se acaso o carro zero-quilômetro a ser escolhido for "verde", ou
seja, econômico e pouco poluente, em países como a Itália o bônus
chega a até 3.500 euros (algo como R$ 9 mil), valor muito acima do
eventual valor de mercado de carros equivalentes a nossos Brasílias
e Veronas, impiedosa e adequadamente mandados ao matadouro. Mas a
coisa tem de ser séria: tem de tirar mesmo de circulação o carro
velho, poluente e perigoso, parte essencial do processo. Desse modo
não só a indústria se move, vende, como o meio ambiente (como o
trânsito, a fluidez das estradas, a segurança...) agradece por se
livrar do entulho.
Isso, sim, seria um bom incentivo, quase o tal 50 anos em cinco.
Ninguém pensa nisso? Ninguém fala disso? Creio que Juscelino
Kubitschek, se vivo, gostaria. |
Custo Brasil,
voracidade do governo, ganância dos fabricantes: por que um carro
daqui custa bem mais do que o similar de lá |