Peso e tempo: eis o
"X" da questão quando o assunto é custo. Quem disse isso se chama
Issao Mizoguchi, um engenheiro mecânico de produção que se formou na
FEI de São Bernardo do Campo, SP, e — antes mesmo de botar a mão no
diploma — começou a trabalhar na Honda, em São Paulo, em meados dos
anos 80.
"Quanto mais pesado o produto, mais material usa; quanto mais tempo
para fabricar, mais hora-homem necessita": Issao falou isso comentando
seus dilemas de 25 anos no chão da fábrica manauara da Honda, onde
deveria conciliar a necessária qualidade exigida por seus clientes com
um custo aceitável para seus patrões. Pelo cargo que ocupa desde 1º de
abril (sem piada...), o de presidente da Moto Honda da Amazônia —
primeiro brasileiro nessa função desde que a Honda aqui se instalou em
1976 —, Issao fez a lição de casa direitinho.
Na instigante entrevista que concedeu à Revista da Moto! (nas
bancas lá pelo dia 10 de maio, comprem), Issao foca outros
interessantes pontos de sua vida profissional. E um curioso exemplo é
o problema da logística, particular em uma empresa que, como a Honda,
produz suas motos em Manaus, AM.
Uma vez prontas, as motos seguem por dias (sete, dez) de barco até
Belém, PA. De lá, vão de caminhão até seu destino, que pode ser ali do
lado, Ananindeua (também no Pará), ou lá longe, Porto Alegre, RS. Na
volta, o caminhão que levou a moto traz a embalagem que a protegia,
que é retornável como os litros de leite de antigamente, e também
componentes para fabricá-las: aço, pneu (feito no Rio Grande do Sul),
tinta, bateria e muito mais.
Contar para um gringo com pouco ou nenhum conhecimento de Brasil que
nossas motos são produzidas no meio da selva amazônica, a quatro mil
quilômetros de seus principais centros consumidores, de onde sai
também boa parcela dos componentes, é certeza de diversão: caras
incrédulas, risadas e um indefectível "não pode ser" ou "vocês são
loucos?" são os resultados. Mas é assim mesmo, e há quase quatro
décadas. |
Onças e macacos
Issao, o engenheiro presidente, garante que os incentivos fiscais
oferecidos para se instalar no Polo Industrial da Zona Franca de
Manaus não fazem a Honda ganhar rios de dinheiro: a margem de lucro
das motos saídas de lá é parelha à margem de outras Hondas, sejam elas
fabricadas na Tailândia ou na Indonésia.
Cometer a loucura que é fabricar onde há mais onças e macacos do que
clientes foi uma "opção" quase obrigatória. Em meados dos anos 70, os
militares instalados no poder queriam muito ocupar a Amazônia de
alguma maneira, pois havia no ar (e ainda há, para alguns) uma lenda
de que cedo ou tarde os estrangeiros tomariam aquele pedaço de Brasil
dos brasileiros. E se houvesse uma indústria lá, muita gente
trabalhando, interesses multinacionais, talvez as coisas mudassem de
rumo. E assim foi: meteram capital, indústrias e gente em Manaus.
Pelo sim, pelo não, a Honda já tinha um plano B então: fazer uma
fábrica em Sumaré, no interior paulista. Optando pela Amazônia o
terreno de Sumaré (1,7 milhão de metros quadrados, uau!) ficou
guardado, esperando a hora certa de ser usado, o que aconteceu quando
a marca fundada por Soichiro em 1948 começou a fazer automóveis no
Brasil, em 1997.
A conversa com Issao faz pensar no mundo globalizado e na relatividade
existente na indústria, seja ela de motocicletas, automóveis ou do que
for. Hoje a fábrica da Honda em Manaus é considerada um primor. Por
sua localização e por conta da obrigatória nacionalização exigida —
antes por peso e valor agregado, agora por processo —, exigiu
características de verticalização da produção. Ou seja: começar a
fazer em Manaus era bom porque era zona franca e permitia importar o
que fosse preciso, de máquina a componente acabado, mas com prazo para
essa festa acabar.
Já ao fazer os carros Honda, em Sumaré, problemas com fornecedores
teoricamente não existiriam, nem com logística, pois a fábrica está do
lado da Via Anhanguera, uma das principais artérias rodoviárias
paulistas. Todavia, um terremoto seguido de tsunami atrapalhou a vida
da Honda, que deixou de produzir o que poderia e deveria, pois
dependia de alguns poucos componentes vindos do Japão. Não há notícia
de que a fabricação de motos em Manaus tenha sido afetada, certamente
porque, ao topar se instalar em local tão distante — e por muitos
versos inóspito —, a empresa se preparou para "terremotos e tsunamis"
de outra espécie, que nem mesmo os verdadeiros terremotos e tsunamis
conseguem abalar.
Moral da história: para Issao, produzir é a saída. Depender demais da
importação e até de fornecedores em demasia, horizontalizando a
produção, é uma armadilha. Para ele, apesar do tal "custo Brasil" e da
logística malvada imposta pelo parco investimento em infraestrutura em
nosso país (transporte, geração de energia, etc.) e do real
supervalorizado, fabricar aqui para vender aqui é a política certa.
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Os militares
queriam muito ocupar a Amazônia, pois havia a lenda de que cedo ou
tarde os estrangeiros tomariam aquele pedaço de Brasil dos brasileiros |