Confesso que sempre
achei algo exageradas as medidas para eliminar ou diminuir a
quantidade de motoristas que dirigem sob efeito de álcool. Bebo
socialmente, dirijo há 35 anos e sei bem que um copo de vinho ou de
cerveja não altera, em absoluto, minha capacidade de conduzir um
veículo — qualquer que seja, moto ou carro. Mas, atenção: eu disse
um copo, não dois. E disse também cerveja e vinho, não
uísque ou vodca. Quantidade — de teor alcoólico e de copos ingeridos
— faz muita diferença, claro.
Mas esse sou eu. E os outros, como são?
Gente que nunca bebe nada alcoólico reage da mesma maneira do que
eu, que desde criança, nos almoços de domingo, recebia um copo de
água com açúcar e vinho para brindar com a família? Acho que não.
Tenho amigos que ingerem um único copo de cerveja e ficam como se
tivessem bebido um engradado, enquanto outros bebem um engradado e
se mostram lúcidos e equilibrados como se nada tivessem bebido.
Seres humanos — ainda bem — são diferentes entre si, e muito.
Por conta de tudo isso, passei a achar correta essa "tolerância
zero" em nossas ruas e estradas, em que pese minha perplexidade ao
ver os agentes da lei montando seus esquemas de fiscalização em
locais manjados ou em situações que facilitariam aos motoristas
escapar, simplesmente estacionando o carro ou virando a esquerda ou
à direita...
Soprei o bafômetro duas ou três vezes, e felizmente não havia bebido
nadinha. Isso aconteceu logo no início da fiscalização. Depois,
nunca mais. E pelo noticiário acabei aprendendo que, se acaso fosse
"sorteado" em uma próxima ocasião, caso tivesse bebido, poderia
simplesmente me negar a soprar no bafômetro.
Em princípio achei muito estranho um policial estar com um
equipamento, que na hora revela se a pessoa está ou não seguindo a
lei, e... não poder usá-lo, pois "ninguém é obrigado a produzir
provas contra si mesmo". Sim, seria multado e teria a carteira
aprendida por conta da recusa. Mas não seria preso em flagrante,
como preconiza a lei para aqueles que superarem o limite de 0,6
gramas de álcool por litro de sangue. Ou seja, de certo modo a lei
"premia" quem bebe como um gambá e diz não ao policial, pois escapa
da cadeia.
Agora, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determina
que só o bafômetro e o exame de sangue servem para provar o índice
de álcool no sangue. Assim, bingo! Se bebeu, não sopre, espere
passar que nada lhe acontecerá. Isso enfraqueceu a chamada Lei Seca
e o que era uma exceção virou regra: as pessoas dizem "não" ao
guarda, que fica ali, com cara de bobo e bafômetro na mão. |
Bonitas e civilizadas
O direito é uma ciência tortuosa, cuja interpretação dá margem a
muitos modos de ver uma mesma coisa. É muito bonito e civilizado
imaginar que ninguém possa ser obrigado a se prejudicar, no caso, se
autodenunciando ao soprar em um instrumento de medição. Mas é
evidente que nossa sociedade na prática não é homogênea, feita só de
pessoas bonitas e civilizadas, com princípios dos mais elevados.
Posto isso, a aplicabilidade dessa bela máxima de que "ninguém é
obrigado a produzir provas contra si mesmo" se esvai quando tratamos
de um grave problema, como os acidentes de trânsito causados por
pessoas que exageram na bebida e estão ao volante de seus carros e
motos, impunes. Basta-lhes refutar a ordem da "autoridade", nesse
caso totalmente despida de autoridade para exercer sua função de
zelar pelo cumprimento da lei.
Há excesso de irresponsáveis no trânsito brasileiro, e isso é o que
nos torna um país com índices recorde de acidentes. Se o álcool é,
sabidamente, um dos grandes culpados por essa situação, o requintado
raciocínio que vê como justa a negativa de soprar no bafômetro não
pode ser levado em consideração. Vivemos em um estado de exceção e
não de plenitude social, onde todos respeitam todos: o cidadão é
impecável, o estado cumpre seu dever e a sociedade como um todo
atingiu um nível que prescinde dos chamados órgãos de segurança e
das autoridades para fazer cumprir as leis, já que todos sabem o que
é certo e o que é errado, e ninguém faz nada de errado.
Onde é assim? Aqui no Brasil, certamente em canto nenhum. E no
mundo? Talvez nos evoluídos países nórdicos? Não, amigos, nem lá.
Deixar de fiscalizar os motoristas, tirar do policial a autoridade
de fazer a lei ser cumprida — seja ela uma boa lei ou não — por
conta de um raciocínio filosoficamente perfeito, mas na prática
improponível no estágio atual de nossa sociedade, é piada. E um
grande retrocesso. |
Achei muito
estranho um policial estar com um equipamento e... não poder usá-lo,
pois "ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo" |