Data de publicação: 31/3/12

Movidos a álcool

Amparados por não serem obrigados a produzir prova contra si,
motoristas ganham o direito de continuar a beber e dirigir

por Roberto Agresti

Confesso que sempre achei algo exageradas as medidas para eliminar ou diminuir a quantidade de motoristas que dirigem sob efeito de álcool. Bebo socialmente, dirijo há 35 anos e sei bem que um copo de vinho ou de cerveja não altera, em absoluto, minha capacidade de conduzir um veículo — qualquer que seja, moto ou carro. Mas, atenção: eu disse um  copo, não dois. E disse também cerveja e vinho, não uísque ou vodca. Quantidade — de teor alcoólico e de copos ingeridos — faz muita diferença, claro.

Mas esse sou eu. E os outros, como são?

Gente que nunca bebe nada alcoólico reage da mesma maneira do que eu, que desde criança, nos almoços de domingo, recebia um copo de água com açúcar e vinho para brindar com a família? Acho que não.

Tenho amigos que ingerem um único copo de cerveja e ficam como se tivessem bebido um engradado, enquanto outros bebem um engradado e se mostram lúcidos e equilibrados como se nada tivessem bebido. Seres humanos — ainda bem — são diferentes entre si, e muito.

Por conta de tudo isso, passei a achar correta essa "tolerância zero" em nossas ruas e estradas, em que pese minha perplexidade ao ver os agentes da lei montando seus esquemas de fiscalização em locais manjados ou em situações que facilitariam aos motoristas escapar, simplesmente estacionando o carro ou virando a esquerda ou à direita...

Soprei o bafômetro duas ou três vezes, e felizmente não havia bebido nadinha. Isso aconteceu logo no início da fiscalização. Depois, nunca mais. E pelo noticiário acabei aprendendo que, se acaso fosse "sorteado" em uma próxima ocasião, caso tivesse bebido, poderia simplesmente me negar a soprar no bafômetro.

Em princípio achei muito estranho um policial estar com um equipamento, que na hora revela se a pessoa está ou não seguindo a lei, e... não poder usá-lo, pois "ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo". Sim, seria multado e teria a carteira aprendida por conta da recusa. Mas não seria preso em flagrante, como preconiza a lei para aqueles que superarem o limite de 0,6 gramas de álcool por litro de sangue. Ou seja, de certo modo a lei "premia" quem bebe como um gambá e diz não ao policial, pois escapa da cadeia.

Agora, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determina que só o bafômetro e o exame de sangue servem para provar o índice de álcool no sangue. Assim, bingo! Se bebeu, não sopre, espere passar que nada lhe acontecerá. Isso enfraqueceu a chamada Lei Seca e o que era uma exceção virou regra: as pessoas dizem "não" ao guarda, que fica ali, com cara de bobo e bafômetro na mão.

Bonitas e civilizadas
O direito é uma ciência tortuosa, cuja interpretação dá margem a muitos modos de ver uma mesma coisa. É muito bonito e civilizado imaginar que ninguém possa ser obrigado a se prejudicar, no caso, se autodenunciando ao soprar em um instrumento de medição. Mas é evidente que nossa sociedade na prática não é homogênea, feita só de pessoas bonitas e civilizadas, com princípios dos mais elevados.

Posto isso, a aplicabilidade dessa bela máxima de que "ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo" se esvai quando tratamos de um grave problema, como os acidentes de trânsito causados por pessoas que exageram na bebida e estão ao volante de seus carros e motos, impunes. Basta-lhes refutar a ordem da "autoridade", nesse caso totalmente despida de autoridade para exercer sua função de zelar pelo cumprimento da lei.

Há excesso de irresponsáveis no trânsito brasileiro, e isso é o que nos torna um país com índices recorde de acidentes. Se o álcool é, sabidamente, um dos grandes culpados por essa situação, o requintado raciocínio que vê como justa a negativa de soprar no bafômetro não pode ser levado em consideração. Vivemos em um estado de exceção e não de plenitude social, onde todos respeitam todos: o cidadão é impecável, o estado cumpre seu dever e a sociedade como um todo atingiu um nível que prescinde dos chamados órgãos de segurança e das autoridades para fazer cumprir as leis, já que todos sabem o que é certo e o que é errado, e ninguém faz nada de errado.

Onde é assim? Aqui no Brasil, certamente em canto nenhum. E no mundo? Talvez nos evoluídos países nórdicos? Não, amigos, nem lá.

Deixar de fiscalizar os motoristas, tirar do policial a autoridade de fazer a lei ser cumprida — seja ela uma boa lei ou não — por conta de um raciocínio filosoficamente perfeito, mas na prática improponível no estágio atual de nossa sociedade, é piada. E um grande retrocesso.

Achei muito estranho um policial estar com um equipamento e... não poder usá-lo, pois "ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo"
 
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