Data de publicação: 17/3/12

Você perderia

Do Karmann-Ghia ao Veloster, sempre me incomodaram carros
que prometem no visual um desempenho que não cumprem

por Roberto Agresti

Meu fascínio por um carro, qualquer que seja, com números nas portas e no capô — ou seja, um carro de corrida — vem de longe. Para dizer a verdade, aos 53 imagino que veio do berço mesmo, pois não me lembro de um dia sequer em minha vida em que não tenha pensado ou vivido algo relacionado a motores.

Como muitos de vocês, da minha geração, tive a sorte de andar de carrinho de rolimã na rua e, antes disso, pedalar aqueles karts tubulares no quintal da casa dos amigos (morava em um apartamento). Já então, talvez com cinco ou seis anos de idade, queria derrapar. Até quando ia ao supermercado com meus pais atravessava o carrinho nas curvas (confesso que ainda hoje faço isso...). Meu gostar ou não gostar de um carro, desde criança, sempre esteve relacionado mais a seu desempenho que a linhas externas. Ser rápido ou bom de curva (de preferência ambos) era meu metro de qualificação.

Quando vi pela primeira vez um Volkswagen Karmann-Ghia, adorei. Baixo, curvilíneo, parecia veloz mesmo parado. Mas meu tio Antônio, em uma rodinha de aperitivo do almoço de domingo, jogou um balde de água gelada no meu namoro com o KG. "Não anda nada!", vaticinou ele, emendando: "Meu [Chevrolet] Bel Air corre mais em segunda marcha que aquela porcaria do Roberto [meu primo, filho dele, dono do KG...] em quarta".

Para mim o carrinho acabou ali. Logo depois disso, folheando uma revista, vi um anúncio da Volkswagen com um Karmann-Ghia vermelho, com uma faixa amarela e um número no capô, e o seguinte título: "Você perderia". Eu já sabia, tio Antônio avisara...

O anúncio aludia à economia do carro, a sua solidez e a outros tantos predicados que substituíam o desempenho. Desculpem, mas já na tenra idade reconhecia uma enrolação, uma papagaiada de marqueteiro, antes mesmo que esse termo existisse para justificar uma carência para mim imperdoável em esportivo, sem aspas.
 
Paro com esse papo cheirando mofo para passar aos dias atuais, aos "esportivos" e esportivos que povoam nossas ruas — em paradoxo, graças a um presidente playboy cuja notoriedade é ter achincalhado a indústria automobilística brasileira do início dos anos 90, ao chamar toda a produção nacional de carroças, e ter reaberto o mercado aos carros importados.

Graças a Collor, não é difícil ver um Ferrari nas ruas de São Paulo, do Rio ou de outra cidade brasileira com alguma relevância econômica. Ícone máximo do carro esportivo ao lado de sua contraparte germânica, o Porsche, apesar de quase comum, ainda provoca torções de pescoço, atrai olhares com sentimentos mistos: inveja, admiração, reprovação, encanto.

Tanto o bólido feito em Modena quanto o de Stuttgart entregam o que prometem: esportividade e desempenho. Daí serem cultuados, lendas sobre rodas. O problema de achar onde aproveitar seus talentos dinâmicos diante de tanto radar, limite, repressão não se aplica, pois são máquinas que funcionam exemplarmente em qualquer velocidade. Tem um e quer correr? Vá para uma pista, pague a inscrição num track-day e rode rápido. Quer desfilar, desfile. A excelência técnica está inalterada tanto em um caso como no outro.

Os Karmann-Ghias de hoje
Mas há em nossas ruas, além de Ferrari e Porsche, também os Karmann-Ghias de hoje, carros que não são exatamente aquilo que prometem ser, e que por isso me irritam. Caso notório mais recente é o Hyundai Veloster. Peguei-me admirando um no trânsito, um dia desses. Notem bem que uso o vocábulo "admirar" não à toa, pois li num desses dicionários da internet que tal palavra significa "espanto misturado com prazer", e foi exatamente isso que senti.

Bonito? Não exatamente, mas instigante, interessante, em especial aquela traseira, a parte baixa do que seria o para-choque imitando um enorme extrator de ar com aqueles dois escapamentos centrais... A lateral não é boba, pelo contrário: cintura alta, os vidros pequenos. A frente é a parte menos relevante, mas o conjunto todo passa impressão de força... Só que isso, definitivamente, não tem.

A Hyundai-Caoa anunciou de início que venderia aqui o motor com injeção direta e 140 cv, mas proprietários acusaram a diferença, após encontrar em seus carros o motor com injeção multiponto convencional, que no exterior é rotulado com 126 cv — o mesmo do Kia Cerato, um sedã bem pacato. Órgãos de imprensa colocaram Velosters no dinamômetro e descobriram que ele é mesmo bem borocochô. Os parcos 126 cv para os 1.300 kg de massa resultam em um Karmann-Ghia de nossos tempos, um carro com cara de esportivo, mas que não entrega o que promete. Eu, hein? Passo, e longe.

Coreanos aprenderam fazer carros, e os fazem bem-feitos. Há no exterior um Veloster sério e digno, com 200 cv ou coisa que o valha, um carro honesto sob meu ponto de vista, e não como esse que anda (se arrastando) por aí, pregando uma peça na boa fé dos admiradores (aqueles que se espantam prazerosamente com carros, lembra?).

Estou sendo cartesiano demais? Pode ser. Mas justo e fiel a meus princípios formatados desde a tenra infância. O mundo está "fake" demais e eu velho demais para aturar lindos "esportivos" que comem poeira de sedãs despretensiosos.

E não me venham com o papo dos limites de velocidade, da atual conjuntura repressiva das ruas e estradas de quase todo nosso país. O prazer de ter na mão um carro potente não implica o automático desrespeito as regras, à lei, e nem sequer ofensa ao meio ambiente e à sustentabilidade. Significa, isso sim, coerência. E me vem à mente aquele dito mais ou menos assim: "Não basta à mulher de César ser honesta. Ela também deve parecer honesta".

Moral da história: potência, esportividade e prazer podem sim — e devem — estar ligados, e não em prol da transgressão ou da quebra das regras estabelecidas. Quem gosta de automóveis de verdade não merece empulhação e nem aturar gatos por lebre. Apedrejem-me se estiver errado!

Para terminar, uma historinha real que exemplifica que a "bestificação" de muitos automobilistas progride de forma inexorável. Na oficina do amigo Alberto Trivellato, a Suspentécnica (quem lê nossos Um Mês ao Volante  sabe bem quem é...), vi em várias ocasiões enormes freios a disco com gigantescas pinças Brembo, aquelas vermelhíssimas, sendo instalados em Minis. Imaginei duas coisas: que ou o carrinho tem freio ruim, ou andam preparando-o de um jeito que um megafreio se faz necessário.

Comentei isso com Alberto, que me respondeu: "Errou, mané! Colocam esses freios porque tá na moda, é 'style', dá mais na vista que um motor preparado, que ninguém enxerga porque está debaixo do capô".

Oh, céus...

Bonito? Não exatamente, mas instigante, interessante. O conjunto todo passa impressão de força... Só que ele não tem
   
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