Meu fascínio por um
carro, qualquer que seja, com números nas portas e no capô — ou
seja, um carro de corrida — vem de longe. Para dizer a verdade, aos
53 imagino que veio do berço mesmo, pois não me lembro de um dia
sequer em minha vida em que não tenha pensado ou vivido algo
relacionado a motores.
Como muitos de vocês, da minha geração, tive a sorte de andar de
carrinho de rolimã na rua e, antes disso, pedalar aqueles karts
tubulares no quintal da casa dos amigos (morava em um apartamento).
Já então, talvez com cinco ou seis anos de idade, queria derrapar.
Até quando ia ao supermercado com meus pais atravessava o carrinho
nas curvas (confesso que ainda hoje faço isso...). Meu gostar ou não
gostar de um carro, desde criança, sempre esteve relacionado mais a
seu desempenho que a linhas externas. Ser rápido ou bom de curva (de
preferência ambos) era meu metro de qualificação.
Quando vi pela primeira vez um Volkswagen Karmann-Ghia, adorei.
Baixo, curvilíneo, parecia veloz mesmo parado. Mas meu tio Antônio,
em uma rodinha de aperitivo do almoço de domingo, jogou um balde de
água gelada no meu namoro com o KG. "Não anda nada!", vaticinou ele,
emendando: "Meu [Chevrolet] Bel Air corre mais em segunda marcha que
aquela porcaria do Roberto [meu primo, filho dele, dono do KG...] em
quarta".
Para mim o carrinho acabou ali. Logo depois disso, folheando uma
revista, vi um anúncio da Volkswagen com um Karmann-Ghia vermelho,
com uma faixa amarela e um número no capô, e o seguinte título:
"Você perderia". Eu já sabia, tio Antônio avisara...
O anúncio aludia à economia do carro, a sua solidez e a outros
tantos predicados que substituíam o desempenho. Desculpem, mas já na
tenra idade reconhecia uma enrolação, uma papagaiada de marqueteiro,
antes mesmo que esse termo existisse para justificar uma carência
para mim imperdoável em esportivo, sem aspas.
Paro com esse papo cheirando mofo para passar aos dias atuais, aos
"esportivos" e esportivos que povoam nossas ruas — em paradoxo,
graças a um presidente playboy cuja notoriedade é ter achincalhado a
indústria automobilística brasileira do início dos anos 90, ao
chamar toda a produção nacional de carroças, e ter reaberto o
mercado aos carros importados.
Graças a Collor, não é difícil ver um Ferrari nas ruas de São Paulo,
do Rio ou de outra cidade brasileira com alguma relevância
econômica. Ícone máximo do carro esportivo ao lado de sua
contraparte germânica, o Porsche, apesar de quase comum, ainda
provoca torções de pescoço, atrai olhares com sentimentos mistos:
inveja, admiração, reprovação, encanto.
Tanto o bólido feito em Modena quanto o de Stuttgart entregam o que
prometem: esportividade e desempenho. Daí serem cultuados, lendas
sobre rodas. O problema de achar onde aproveitar seus talentos
dinâmicos diante de tanto radar, limite, repressão não se aplica,
pois são máquinas que funcionam exemplarmente em qualquer
velocidade. Tem um e quer correr? Vá para uma pista, pague a
inscrição num track-day e rode rápido. Quer desfilar, desfile. A
excelência técnica está inalterada tanto em um caso como no outro. |
Os Karmann-Ghias de hoje
Mas há em nossas ruas, além de Ferrari e Porsche, também os
Karmann-Ghias de hoje, carros que não são exatamente aquilo que
prometem ser, e que por isso me irritam. Caso notório mais recente é
o Hyundai Veloster. Peguei-me admirando um no trânsito, um dia
desses. Notem bem que uso o vocábulo "admirar" não à toa, pois li
num desses dicionários da internet que tal palavra significa
"espanto misturado com prazer", e foi exatamente isso que senti.
Bonito? Não exatamente, mas instigante, interessante, em especial
aquela traseira, a parte baixa do que seria o para-choque imitando
um enorme extrator de ar com aqueles dois escapamentos centrais... A
lateral não é boba, pelo contrário: cintura alta, os vidros
pequenos. A frente é a parte menos relevante, mas o conjunto todo
passa impressão de força... Só que isso, definitivamente, não tem.
A Hyundai-Caoa anunciou de início que venderia aqui o motor com
injeção direta e 140 cv, mas
proprietários acusaram a diferença, após encontrar em seus carros o
motor com injeção multiponto convencional, que no exterior é
rotulado com 126 cv — o mesmo do Kia Cerato, um sedã bem pacato.
Órgãos de imprensa colocaram Velosters no dinamômetro e descobriram
que ele é mesmo bem borocochô. Os parcos 126 cv para os 1.300 kg de
massa resultam em um Karmann-Ghia de nossos tempos, um carro com
cara de esportivo, mas que não entrega o que promete. Eu, hein?
Passo, e longe.
Coreanos aprenderam fazer carros, e os fazem bem-feitos. Há no
exterior um Veloster sério e digno, com 200 cv ou coisa que o valha,
um carro honesto sob meu ponto de vista, e não como esse que anda
(se arrastando) por aí, pregando uma peça na boa fé dos admiradores
(aqueles que se espantam prazerosamente com carros, lembra?).
Estou sendo cartesiano demais? Pode ser. Mas justo e fiel a meus
princípios formatados desde a tenra infância. O mundo está "fake"
demais e eu velho demais para aturar lindos "esportivos" que comem
poeira de sedãs despretensiosos.
E não me venham com o papo dos limites de velocidade, da atual
conjuntura repressiva das ruas e estradas de quase todo nosso país.
O prazer de ter na mão um carro potente não implica o automático
desrespeito as regras, à lei, e nem sequer ofensa ao meio ambiente e
à sustentabilidade. Significa, isso sim, coerência. E me vem à mente
aquele dito mais ou menos assim: "Não basta à mulher de César ser
honesta. Ela também deve parecer honesta".
Moral da história: potência, esportividade e prazer podem sim — e
devem — estar ligados, e não em prol da transgressão ou da quebra
das regras estabelecidas. Quem gosta de automóveis de verdade não
merece empulhação e nem aturar gatos por lebre. Apedrejem-me se
estiver errado!
Para terminar, uma historinha real que exemplifica que a "bestificação"
de muitos automobilistas progride de forma inexorável. Na oficina do
amigo Alberto Trivellato, a Suspentécnica (quem lê nossos Um Mês
ao Volante sabe bem quem é...), vi em várias ocasiões
enormes freios a disco com gigantescas pinças Brembo, aquelas
vermelhíssimas, sendo instalados em Minis. Imaginei duas coisas: que
ou o carrinho tem freio ruim, ou andam preparando-o de um jeito que
um megafreio se faz necessário.
Comentei isso com Alberto, que me respondeu: "Errou, mané! Colocam
esses freios porque tá na moda, é 'style', dá mais na vista que um
motor preparado, que ninguém enxerga porque está debaixo do capô".
Oh, céus... |
Bonito? Não
exatamente, mas instigante, interessante. O conjunto todo passa
impressão de força... Só que ele não tem |