Data de publicação: 3/3/12

Andar largado

Manter 100% da concentração 100% do tempo, ao volante ou
ao guidão, é a forma mais garantida de evitar acidentes

por Roberto Agresti

Paulo, um amigo de longuíssima data, sofreu recentemente um acidente de moto em São Paulo, SP, em uma avenida de quatro faixas — uma delas exclusiva para motos, na qual ele trafegava. Felizmente o saldo do acidente para ele foi de algumas escoriações no joelho e, para a outra pessoa envolvida, uma senhora de meia idade, um corte na perna e outro na testa, nada de muito grave.

Sim, foi um atropelamento, e aconteceu em um horário chamado "de pico", com o trânsito parado, menos a faixa das motos. A dinâmica do acidente foi simples: a tal senhora atravessou a avenida no meio dos carros e, segundo meu amigo, ela foi quem atropelou a moto e não o contrário... Ou seja, não foi a roda dianteira que atingiu a mulher e sim a mulher que atingiu a frente da moto, na altura do farol e do guidão, na lateral.

Ouvindo tal relato do acidente, pensei de imediato no talento do anjo da guarda de meu caro amigo, que em seus 56 anos de vida já passou por "muitas e boas". Nós nos conhecemos adolescentes e sei muito de seu (nosso, na verdade...) passado bem arrojado, tanto ao volante como ao guidão. Hoje, porém, ele está bem comportadinho e ele mesmo, sabendo desse seu atual status, comentou: "Foi imprevisível, não houve como evitar. E você sabe como eu ando, especialmente de moto. Eu nunca ando largado...".

Pois é, concordo. E no que consistiria exatamente "andar largado" em nosso linguajar de amigos vitalícios há quase 40 anos? Eu sei bem, e tentarei explicar.

Pilotar uma moto é uma atividade que exige certa característica pessoal que, em minha opinião, não equipa 100% dos humanos. Trata-se do que costumo definir como "100% de concentração 100% do tempo".

Em um automóvel dá para olhar o rádio e mudar de estação, procurar algo no console ou até mesmo proceder (lentamente, claro) por uma rua sem olhar para frente, procurando o número de uma casa ou um estabelecimento qualquer. Já na moto, veículo que demanda equilíbrio além de técnica para seu domínio, o condutor não pode se permitir tal atitude.

Sei que é impossível para qualquer motociclista percorrer um trajeto 100% concentrado 100% do tempo, mas o nível de atenção deve sempre estar perto disso. Distração, jamais. O preço a pagar costuma ser bem mais alto que um conserto de para-choques e um pedido de desculpas decorrente daquele "tunc" que, eventualmente, todos nós já demos (ou daremos) no carro parado à nossa frente.

Como um gato
"Andar largado" é, portanto, não estar concentrado, é não estar arisco como um gato nos comandos, seja de qual veículo for. Um cruzamento é sempre um risco e, mesmo se o sinal estiver aberto, alguém pode vará-lo. Andando de moto, dois dedos devem estar sempre  sobre a manete do freio. Nessa hora do cruzamento, ainda mais. E de carro? A atenção deve ser redobrada. E isso vale para qualquer local onde duas ruas se encontrem, seja em um bairro calmo, seja nas grandes avenidas, com ou sem semáforo.

Aliás, há poucos dias um brutal acidente entre um ônibus e um automóvel em São Paulo ocupou muito espaço na mídia. Tal horror serve bem para dizer que, muito provavelmente, os dois motoristas envolvidos estavam "andando largados", já que onde há um semáforo que não funciona ninguém pode prosseguir como se nada fosse.

Volto ao acidente do meu amigo: a tal senhora poderia ter tido a mesma falta de sorte que teve o guitarrista Marcelo Fromer, da banda Titãs, que em 2001 foi atropelado por uma moto na Avenida Europa, também em São Paulo. Pelos relatos da imprensa à época, Fromer estava praticando cooper, ou seja, estava correndo, e talvez tenha sido assim que atravessou a avenida com o trânsito parado. No corredor vinha a moto, ninguém viu ninguém, e o músico tomou um violento e fatal choque com o capacete do piloto na cabeça.

O depois identificado atropelador — um motoboy que não prestou atendimento e escapou do local — talvez viesse "andando largado". Cabeça com cabeça, uma com capacete, outra sem, resultou na morte cerebral do músico.

O preceito de jamais andar largado é essencial para condução de qualquer veículo. Na estrada, em especial nas de pistas simples, curvas para a esquerda requerem uma atitude mais prudente. A razão é que a eventual perda de controle do motorista que venha em direção oposta fará com que sejamos nós o obstáculo, o nada ambicionável papel de guard-rail.

O prever problemas, imaginar a possibilidade de tudo dar errado, é atitude defensiva adequada em um trânsito como o nosso, no qual há tantos "senões" que se traduzem em alto nível de acidentes. Há a má educação e formação de motoristas e motociclistas, há as estradas e ruas mal projetadas, construídas e conservadas, há a cultura aproximativa na manutenção dos veículos e por aí afora.

Em que pese minha reduzida experiência como piloto em provas de motociclismo e automobilismo, aprendi que, sobretudo em situações competitivas, a prática de prever a ocorrência de problemas e identificar pontos de risco potenciais é sabedoria indispensável. No já lendário autódromo de Interlagos há pontos que são perigosos, onde o piloto vira quase refém de seu destino.

Cito Interlagos por ser nosso melhor autódromo, onde se realiza o GP do Brasil de Fórmula 1, que é nada menos que a principal categoria do automobilismo mundial. Para poder receber a corrida, a pista deve atender aos mais altos padrões de segurança. Mesmo assim, na subida da Junção, tristemente notória pelas mortes de Gustavo Sondermann em 2011 e Rafael Sperafico em 2007, não há como evitar o risco. A falta de visibilidade na trajetória ideal para percorrer o trecho associada à velocidade é um problema conhecido, mas que só poderá ter paliativos, nunca solução. Portanto, "andar largado" ali não é o caso.

Certamente em nossos deslocamentos rotineiros há trechos comparáveis à problemática subida da Junção — e também o oposto, lugares onde a segurança nos parece impecável. Pelo sim, pelo não, e mesmo que você saiba que seu anjo da guarda é tão bom como o do meu amigo Paulo, melhor nunca andar largado.

Um cruzamento é sempre um risco e, mesmo se o sinal estiver aberto, alguém pode vará-lo
   
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