Acordo com uma notícia-bomba no
ambiente da indústria automobilística brasileira: alguém avisa que o
acordo de importação com o México, pelo qual os carros lá fabricados
entram no Brasil sem pagar Imposto de Importação e adicional de
Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), está prestes a ser
cancelado. Motivo: déficit na balança entre os dois países, o que em
palavras comuns significa que os mexicanos estão vendendo mais
carros para os brasileiros do que os brasileiros vendem para os
mexicanos.
Na mesa do café da manhã, olho pela janela e vejo, estacionado
diante de casa, um mexicano: o
Fiat Freemont,
feito em uma fábrica da Chrysler em Toluca, pois a marca italiana
detém gorda fatia da norte-americana de uns tempos para cá. O carrão
custa de 80 a 90 mil reais e, se vier ao Brasil pagando imposto
cheio, vai custar bem mais, claro. E ficará inviável vendê-lo aqui.
Outra vitima da marca italiana seria o 500, também feito na terra do
Chaves e do seu Madruga.
Enquanto espero meu café esfriar, imagino que naquela hora fervendo
mesmo está o clima em Betim, MG, assim como em São Bernardo do
Campo, SP, pois a Volkswagen também traz carros do México para
vender no Brasil: o Jetta e a Jetta Variant vêm de lá, e antes vinha
o Beetle, que provavelmente estava a caminho em sua nova geração.
Não distante dali está a Ford, que tem o Fusion e o Fiesta, também
mexicanos. Carros importantes na linha da empresa, um no topo,
vendendo bem, e um no meio do pelotão, evoluindo.
Meu café esfriou, dou uns goles, mas o que deve ter esfriado mesmo
são os ânimos do pessoal da Honda: no belo prédio do Morumbi deve
estar todo mundo meio jururu com a notícia. O novo CR-V, lançamento
mundial e muito esperado no Brasil, é fabricado no México, como era
o antigo...
GM? A notícia também deve ter estragado a manhã lá pelas bandas de
São Caetano do Sul, pois o Captiva vem da terra da tequila. Mas
tristes mesmo devem estar os caras da Nissan, pois nada menos do que
quatro de seus automóveis vêm do México: os manjados Tiida e Sentra
e as novas apostas da marca, March e Versa. É quase sua linha
inteira por aqui.
Já na rua, em meio ao mar paulistano de carros parados, vou tentando
achar mexicanos. Não é fácil — carro não usa sombrero, nem bigodón.
Penso na Dilma, em Cuba, fumando um charuto com Raul Castro, ali
pertinho do México. Será que ela escolheu sapecar essa notícia que
deixou em polvorosa um dos mais importantes setores da economia
brasileira só porque está ali, perto da terra de Pancho Villa, ou
porque está longe de Brasília, onde os lobistas das fábricas de
carros já deviam estar, àquela altura da manhã, escolhendo as armas
para a cruzada contra essa medida? Chamando um ministro para o
almoço, um senador para um jantar, uns deputados para um happy hour...
No fim do ano passado o governo fez "bu!" nos importados, aumentando
substancialmente o IPI e tornando alguns preços, que até eram
possíveis, impossíveis. A associação dos importadores, Abeiva,
gritou, claro. Chamou a medida de protecionista, o que obviamente é,
mas o curioso é que muitas das marcas afetadas pelo inesperado
aumento também têm fábrica no Brasil. Ficou a sensação de que a
medida — tomada, segundo alguns, para proteger a indústria
automobilística nacional —, no fim, não protegeu ninguém. Nem quem
seria avantajado achou graça.
Dois meses se passaram, e o carro feito no México é a bola da vez.
Mudança da regra que, de novo, parece não estar agradando ninguém. |
Mercado fechado
Desde que o presidente Juscelino Kubitschek capitaneou a
instalação de uma verdadeira base industrial para fabricação de
veículos no Brasil, no fim dos anos 50, que temos carros feitos
aqui. E desde sempre eles tiveram o aval do governo e do povo,
esquema simples no qual todos ganham: nós compramos e fazemos feliz
o fabricante, que fatura, e o governo, que faz o mesmo via impostos.
Houve um tempo — bastante tempo, de 1976 a 1990 — em que o Brasil
viveu apenas dos meios de transporte fabricados aqui mesmo, fechando
as importações. Se por um lado isso pode ter sido motivo de orgulho
para os mais patriotas, por outro levou ao "efeito carroça"
escancarado pelo presidente mauricinho Fernando Collor, que em 1990
acabou com o protecionismo à sonolenta e acomodada indústria e abriu
as fronteiras aos importados.
Disso resultou a modernização de toda nossa frota e também dos
fabricantes, que depois de espernear investiram e se adequaram,
tanto em know-how produtivo e maquinário quanto em termos de
produtos, vendendo aqui o que se vendia lá fora, no dito Primeiro
Mundo, ou perto disso.
No entanto, nos últimos tempos, mais de um notou que as fábricas no
Brasil mudaram seu "jeitão": carro bacana, altamente tecnológico?
Trazem de fora. Carro simples, chulé? Fabrica aqui. Justificativa:
nosso custo de fabricação não compensa a produção de produtos de
alto valor agregado.
Estranha afirmação: suponho, inocente, que no passado — nos anos 60,
70 e 80 — devia ser mais difícil fabricar carros no Brasil. O parque
industrial era menor, a tecnologia idem. Não deve ter sido fácil
para a GM, por exemplo, lançar aqui o Chevette, que saiu antes do
similar na Alemanha e com a mesma tecnologia. E a Ford? Também quis
fazer bonito naqueles tempos e fabricou aqui o Galaxie que, em seus
primeiros tempos de Brasil, estava praticamente atualizado com o
norte-americano. Até a Chrysler, na estreia da marca Dodge em
automóveis nacionais, produzia um Dart equivalente ao que rodava em
Detroit.
Diz-se que os anos 80 foram a "década perdida", mas naquele período
tivemos lançamentos em sintonia com o mercado europeu, como Monza,
Uno, Escort, Santana. Conta-se que eram tempos de mercado contido,
de baixos volumes de vendas. Contudo, havia interesse até em
produzir um conversível de fábrica (o Escort) no Brasil, o que hoje
é impensável. Estávamos errados?
Encerro esta divagação com uma cerejinha para se colocar em cima
desse sorvete: a indústria automobilística foi o segmento campeão em
remessa de lucros para suas matrizes no ano de 2011
— US$ 5,58 bilhões, cifra
36% superior à enviada em 2010. Curioso ser essa mesma indústria
aquela que reclama dos tais "altos custos" e da impossibilidade de
oferecer produtos melhores e mais modernos com fabricação local.
Não sou nacionalista, tenho horror a qualquer tipo de protecionismo,
mas governo e indústria automobilística têm que combinar o que nos
dizer, antes de dizer. Ou, melhor ainda, lembrar que nós — o povo —
somos os que compram os carros e os que pagam os impostos. Não é
justo pagar caro por algo antiquado, nem justo ver nosso amigo
metalúrgico sem emprego vendendo pipoca na frente do cinema.
Importado ou nacional, deve haver justiça no preço do automóvel
vendido no Brasil, e já está escancaradamente claro que os preços
que pagamos são tudo, menos justos. Enquanto o que se faz aqui não
for tão bom ou tão barato quanto o que se faz fora daqui, que se
venda o que vem de fora, enquanto quem de direito — governo e
fabricantes — se ajusta para fazer com que tenhamos capacidade de
produzir carros bons, baratos e competitivos em termos mundiais.
Isso, sim, é o que importa. |
Desde sempre eles tiveram o aval do governo e do povo: nós
compramos e fazemos feliz o fabricante, que fatura, e o governo, que
faz o mesmo via impostos |