Servimos bem para servir sempre

Se tivessem aplicado o lema da padaria, os fabricantes instalados há
mais tempo no País não teriam perdido tanto de seu mercado

por Roberto Agresti

O português da padaria é um sábio. Conhece seu negócio e sabe que a base de seu sucesso está na satisfação de seu cliente. Sorri mesmo quando não tem vontade, atende mesmo quando quer fechar e ir para casa, se esmera na apresentação de seus produtos e, é claro, na qualidade deles, pois sabe que seu freguês só será "seu freguês" enquanto estiver plenamente satisfeito. Se um dia o tal freguês não gostar de algo, seja do pãozinho, dos frios, da cara da balconista ou da menina do caixa, se manda. E vai buscar em outra padaria o serviço que espera merecer: o melhor. Tais princípios, tão básicos do comércio, servem para uma padaria e qualquer outra atividade.

Durante décadas a Volkswagen mandou no mercado brasileiro. Escorada em um genial produto, o Fusca, se expandiu furiosamente. Oferecia o que o brasileiro queria e precisava então: um veículo simples, robusto, confiável e, acima de tudo, passível de ser consertado em qualquer biboca. Em um Brasil de dimensões continentais e estradas miseravelmente conservadas, sair do ponto A ao ponto B dentro de um Fusca era garantia de chegada ao destino, ainda que sem grande conforto.

O tempo passou, inclusive para o Fusca. Novas demandas de um novo Brasil fizeram com que a antes poderosa Volkswagen perdesse a liderança do mercado nacional para a Fiat, a última das ditas "quatro grandes" da indústria automobilística a se instalar aqui antes da nova era. Uma era que teve como data de início o governo Collor e a talvez única coisa boa que ele nos trouxe: a abertura dos portos, a liberação da importação de automóveis, o fim da reserva de mercado das tais quatro — Volkswagen, General Motors, Ford e Fiat.

O então risível Fiat 147, carro de excelente projeto e realização aproximativa na seara de Betim, MG, foi o patriarca dos atuais donos da bola. Se naquele 1976 — ano de lançamento do pequeno Fiat — alguém dissesse que, um dia, a marca italiana desbancaria a Volkswagen do topo, poderia ser colocado em uma camisa de força pelo descalabro da afirmação. Problemas do 147 inaugural à parte, logo veio o Uno e dele derivou o Mille, o primeiro a aproveitar o benefício fiscal a modelos de até 1,0 litro de cilindrada. Aprimorado, ele é, hoje, o que o Fusca foi: simples, robusto, confiável e, acima de tudo, passível de ser consertado em qualquer biboca. E depois, o bem-sucedido Palio, sacadas como a linha Adventure e agora o novo Uno delinearam a definitiva tomada do castelo Brasil.

Não fez carros ruins a Volkswagen desde o adeus do Fusca, e a prova é que seu Gol é, desde 1987, o mais vendido dos automóveis. Mas, se em vez dos alemães que se sucederam no timão da empresa fosse o Manoel a conduzi-la, e aplicasse o lusitano sua expertise em padarias à empresa sediada em São Bernardo do Campo, SP, as coisas não teriam ido tão bem assim para os italianos. E mais: aplico esse mesmo raciocínio à vizinha da Volkswagen, a Ford, e a aquela empresa de São Caetano do Sul, a General Motors. Se conduzidas pelo Joaquim e o Antônio, irmão e cunhado do Manoel, não veriam suas parcelas de mercado despencar do modo que despencaram.

É evidente que aquela mistura de mau preceito batizada de Autolatina não ajudou VW e Ford a ganhar mercado e manter a estima de seus clientes. Bem ao contrário, serviu para mostrar que, quando dirigentes pensam em aumentar a margem, os lucros, otimizar produção, diminuir despesas e explorar ao máximo as ditas "sinergias", tendem a esquecer o óbvio: atender a seu cliente.

Não tenho conhecimento de legiões de fãs de produtos como o VW Pointer, o Ford Verona, o VW Apollo, o Ford Versailles e demais subprodutos daquele início dos anos 90. Impossível imaginar que um cliente da Ford, dono de Galaxies, Mavericks e Corcéis, pudesse achar graça naqueles híbridos. Idem o cliente VW ao saber que no cofre de seu carro pulsava um motor CHT da Ford... E perceba que não me refiro à qualidade de tais carros, mas apenas a seu atrapalhado histórico. Deu no que deu.

Como um fliperama
E a GM? Que me desculpem os ainda muitos admiradores do Opala, icônico carro dos anos 70, que corajosamente entrou nos 80 ainda sedutor e ousou chegar ao começo dos 90. Em boa parte seu charme se dava, então, pela falta de opção e pelo contínuo aperfeiçoamento perpetrado pelos técnicos da Avenida Goiás, histórica sede da GM em São Caetano. Mas... aquele Diplomata do fim dos 80 e início dos 90, o que era aquilo? Anacrônico tal uma máquina de fliperama comparada ao Wii: divertidos, interessantes, charmosos, mas tremendamente defasados. Dinossauros, representantes de uma era que havia terminado há muito e que insistiam em sobreviver.

Lembro bem que em 1991, ano anterior à morte do Opalão, passei em uma revenda Chevrolet e vi um Diplomata exposto, reluzente, preto como a noite. Entrando nele relembrei o Opala Especial 1972 de minha tia, que frequentemente "subtraía" para dar umas voltas à revelia da família, e conclui o óbvio: 20 anos se passaram e o carro era praticamente o mesmo! Um dia antes, havia andado pela primeira vez em um BMW 325i que, paradoxalmente, disputava clientes de topo com aquele Chevrolet "de luxo". O buraco tecnológico entre um e outro era fundo como a fossa das Marianas...

Sim, GM, Ford e Volkswagen dormiram no ponto. E de certo modo continuam dormindo. De todas elas talvez seja a Ford a ter acordado antes, pois foi a que viu sua participação de mercado mergulhar mais fundo. E em busca do tempo perdido resolveu trazer o que tinha de melhor lá fora: Ka, Fiesta, motores modernos, Focus. Contudo, como bem sabe o portuga da padaria, perder clientes é rápido; reconquistá-los demora.

Quanto à GM, ao fim do Opala, sacou de válidas armas, o excelente (mas caro) Omega e o Vectra da segunda geração. Todavia, a 20 anos de distância de tal arroubo de tardia modernização de sua linha, o que se percebe é que tanto o Omega continuou caro demais — sobretudo após ser substituído pelo modelo australiano — como o Vectra percorreu o caminho oposto ao de seus pares alemães. Foi empobrecido e simplificado no Brasil, enquanto o mercado vicejava e o consumidor aprendia o que significava tecnologia, eficiência energética através de motores evoluídos e bom desenho externo e interno.

E aos obscuros anos de decadência, de vendas capengas e de perda de um enorme patrimônio em prestígio e imagem, vem o Cruze tentar salvar o que restou, buscar atenuar o estrago feito por Celtas, Agiles e Montanas, projetos locais que, se comparados aos carros que a GM oferece fora do Brasil, fazem corar defunto.

Não quero encerrar meu raciocínio sem também apontar os pecados da líder, que, por ser líder, é a que pecou menos em tese. Há de se constatar os contínuos furos n'água da marca de Betim na faixa alta do mercado. Após o discreto sucesso do Tempra — ainda lembrado com saudade por muitos fãs —, a empresa não soube oferecer a seu cliente de maior poder aquisitivo produtos com o mesmo saudável registro de eficiência, economia de exercício, confiabilidade e liquidez que as famílias Uno e Palio detêm. Marea e Brava antes, Linea e Bravo agora carecem de um "je ne sais quoi" que os faça deixar de patinar no segmento que traz prestígio e bons lucros.

Enfim, no rudimentar marketing das padarias, o saquinho do pão com a frase "servimos bem para servir sempre" é emblema de uma atitude, um estandarte da consciência de que é o cliente — e não o chefão sentado em outro fuso horário na matriz, os acionistas ou a cruel busca do máximo de lucro — o segredo do sucesso de qualquer negócio.

O Diplomata do fim dos 80 e início dos 90, o que era aquilo? Um dinossauro, representante de uma era que havia terminado há muito

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Data de publicação: 17/9/11

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