Data de publicação: 31/1/12

Marca está só em tudo

A Citroën abrirá loja conceitual, que não venderá carros, mas
será apenas isso uma verdadeira "experiência de marca"?

por Kleber Nogueira

A análise das circunstâncias, dos relatos e experiências de conhecidos — e minhas também — no trato com as marcas de automóveis no Brasil me leva a crer que, por aqui, ainda temos "experiências de produto" e não "experiências de marca", quando adquirimos e usamos um carro de um fabricante qualquer.

Faço essa reflexão motivado por dois assuntos que, embora não sejam parte do mesmo universo, permitem comparação bem ilustrativa. O primeiro, a abertura de uma loja conceitual da Citroën em uma glamorosa rua de comércio da capital paulistana. A loja, que segundo o fabricante não será um ponto de venda — apenas de "experiência e contato com a marca" —, é uma ação que complementa uma iniciativa maior de consolidação do nome Citroën no segmento das marcas ditas "premium", onde são muito importantes as associações de valores como glamour, sofisticação, estilo. A aparição do DS3 por aqui, em plena São Paulo Fashion Week, deixa clara essa estratégia da marca.

A loja conceitual ainda está sendo construída, mas será aos moldes do espaço que a marca mantém em Paris, na Champs-Élysées. Café, boutique, cultura, shows. E a mítica dos carros da marca, claro. Sem venda, sem comercialização de produto nenhum relacionado a ela. Uma pena, eu acho.

Tenho essa opinião justamente por minha experiência com o segundo assunto, este sim de um universo alheio: a informática. As mais valiosas marcas do globo, hoje, têm emergido desse segmento. Parece inconsistente, mas não seria de todo errada uma comparação da forma como os fabricantes de automóveis pensam "marca" em relação a como ela é pensada, e traduzida, na atualidade por empresas como a Apple.

A Apple também faz produtos — telefones, computadores, tocadores de música. Mas, ao contrário do que se possa pensar, ela vende experiências, vivências. Tudo isso é completamente "amarrado" e faz sentido do começo ao fim. Quando você decide comprar um produto da marca, todos os contatos com ela são minuciosamente pensados para que sua experiência seja única — do desembalar do produto ao usar dos programas embarcados até a assistência técnica em caso de problemas.

Porta de acesso
Usar produtos Apple é vivenciar uma experiência. E as lojas-conceito da Apple vendem produtos, sim. Afinal, a venda é a mais importante porta de acesso do consumidor a tal experiência que só eles oferecem, a etapa de contato com uma marca que cria mais emoção. Não acho que seja algo assim "profano", a ponto de ser preterida de uma loja conceitual.

Se os fabricantes de automóveis estivessem realmente interessados em criar experiências valiosas de marca, pensariam nessas experiências de forma revolucionária, diferenciada, em todos os momentos de contato do consumidor com a marca. Na venda, no convívio diário com o automóvel e no principal: o pós-venda.

É aí onde concluo que as marcas ainda se posicionam como meras vendedoras de carros e concluo que são capazes apenas de criar "experiências de produto", não de marca. Ainda não tive a oportunidade de conhecer consumidores que se declaram realmente encantados com o pós-venda da marca que escolheram para se relacionar. Uma pena, porque aí está uma oportunidade valiosíssima, um vasto mercado a se explorar. Ou seja: se o carro é bom, o consumidor acha que "a marca é boa". Se tiver problemas com seu carro, "a marca é ruim". Hoje em dia esse é um raciocínio simplista demais.

O que acontece é que a maioria dos consumidores acha os serviços "de marca" caros, mal-educados e pouco qualificados. A fidelidade ocorre apenas — ainda assim, nem sempre — quando o consumidor é amarrado por uma garantia longa, de três, cinco ou seis anos. Não dá para saber o que é pior: é como um casamento em que os noivos não se amam, mas são obrigados a conviver na mesma casa por anos e anos. Ao terminar o contrato, nunca mais se olham, com ódio mortal um do outro.

Experiência de marca, em minha opinião, é entender o que esse consumidor deseja — ou até mesmo criar necessidades que ele nem sabia que tinha — e surpreendê-lo a todo momento, de forma que se crie e se alimente um forte vínculo emocional. No serviço, na experiência total, em 360 graus, não apenas no produto em si. Isso transcende uma loja conceitual e vai até o balcão de peças, lá no fundo da concessionária, onde os mecânicos tomam o cafezinho.

Por isso, no ranking das marcas mais valiosas do mundo a informática supera — em muito — os automóveis. Elas têm aprendido mais rápido a lição no novo mercado e criaram marcas que valem bilhões, realizando o profano ato de vender produtos em suas lojas conceituais. Rezo todos os dias ao santo padroeiro do marketing para que as lições do mundo da tecnologia migrem logo para o mundo do automóvel.

Se os fabricantes estivessem realmente interessados, pensariam de forma revolucionária em todos os momentos de contato com a marca
   
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