A análise das circunstâncias, dos relatos e experiências de
conhecidos — e minhas também — no trato com as marcas de automóveis
no Brasil me leva a crer que, por aqui, ainda temos "experiências de
produto" e não "experiências de marca", quando adquirimos e usamos
um carro de um fabricante qualquer.
Faço essa reflexão motivado por dois assuntos que, embora não sejam
parte do mesmo universo, permitem comparação bem ilustrativa. O
primeiro, a abertura de uma loja conceitual da Citroën em uma
glamorosa rua de comércio da capital paulistana. A loja, que segundo
o fabricante não será um ponto de venda — apenas de "experiência e
contato com a marca" —, é uma ação que complementa uma iniciativa
maior de consolidação do nome Citroën no segmento das marcas ditas
"premium", onde são muito importantes as associações de valores como
glamour, sofisticação, estilo. A aparição do
DS3 por aqui, em
plena São Paulo Fashion Week, deixa clara essa estratégia da marca.
A loja conceitual ainda está sendo construída, mas será aos moldes
do espaço que a marca mantém em Paris, na Champs-Élysées. Café,
boutique, cultura, shows. E a mítica dos carros da marca, claro. Sem
venda, sem comercialização de produto nenhum relacionado a ela. Uma
pena, eu acho.
Tenho essa opinião justamente por minha experiência com o segundo
assunto, este sim de um universo alheio: a informática. As mais
valiosas marcas do globo, hoje, têm emergido desse segmento. Parece
inconsistente, mas não seria de todo errada uma comparação da forma
como os fabricantes de automóveis pensam "marca" em relação a como
ela é pensada, e traduzida, na atualidade por empresas como a Apple.
A Apple também faz produtos — telefones, computadores, tocadores de
música. Mas, ao contrário do que se possa pensar, ela vende
experiências, vivências. Tudo isso é completamente "amarrado" e faz
sentido do começo ao fim. Quando você decide comprar um produto da
marca, todos os contatos com ela são minuciosamente pensados para
que sua experiência seja única — do desembalar do produto ao usar
dos programas embarcados até a assistência técnica em caso de
problemas. |
Porta de acesso
Usar produtos Apple é vivenciar uma experiência. E as lojas-conceito
da Apple vendem produtos, sim. Afinal, a venda é a mais importante
porta de acesso do consumidor a tal experiência que só eles
oferecem, a etapa de contato com uma marca que cria mais emoção. Não
acho que seja algo assim "profano", a ponto de ser preterida de uma
loja conceitual.
Se os fabricantes de automóveis estivessem realmente interessados em
criar experiências valiosas de marca, pensariam nessas experiências
de forma revolucionária, diferenciada, em todos os momentos de
contato do consumidor com a marca. Na venda, no convívio diário com
o automóvel e no principal: o pós-venda.
É aí onde concluo que as marcas ainda se posicionam como meras
vendedoras de carros e concluo que são capazes apenas de criar
"experiências de produto", não de marca. Ainda não tive a
oportunidade de conhecer consumidores que se declaram realmente
encantados com o pós-venda da marca que escolheram para se
relacionar. Uma pena, porque aí está uma oportunidade valiosíssima,
um vasto mercado a se explorar. Ou seja: se o carro é bom, o
consumidor acha que "a marca é boa". Se tiver problemas com seu
carro, "a marca é ruim". Hoje em dia esse é um raciocínio simplista
demais.
O que acontece é que a maioria dos consumidores acha os serviços "de
marca" caros, mal-educados e pouco qualificados. A fidelidade ocorre
apenas — ainda assim, nem sempre — quando o consumidor é amarrado
por uma garantia longa, de três, cinco ou seis anos. Não dá para
saber o que é pior: é como um casamento em que os noivos não se
amam, mas são obrigados a conviver na mesma casa por anos e anos. Ao
terminar o contrato, nunca mais se olham, com ódio mortal um do
outro.
Experiência de marca, em minha opinião, é entender o que esse
consumidor deseja — ou até mesmo criar necessidades que ele nem
sabia que tinha — e surpreendê-lo a todo momento, de forma que se
crie e se alimente um forte vínculo emocional. No serviço, na
experiência total, em 360 graus, não apenas no produto em si. Isso
transcende uma loja conceitual e vai até o balcão de peças, lá no
fundo da concessionária, onde os mecânicos tomam o cafezinho.
Por isso, no ranking das marcas mais valiosas do mundo a informática
supera — em muito — os automóveis. Elas têm aprendido mais rápido a
lição no novo mercado e criaram marcas que valem bilhões, realizando
o profano ato de vender produtos em suas lojas conceituais. Rezo
todos os dias ao santo padroeiro do marketing para que as lições do
mundo da tecnologia migrem logo para o mundo do automóvel. |
Se os fabricantes
estivessem realmente interessados, pensariam
de forma revolucionária em todos os momentos de
contato com a marca |