Para que clube você torce

A internet, com sua profusão de fóruns, clubes e mídias sociais,
transformou o jeito das marcas se relacionarem com seus públicos

por Kleber Nogueira

O fenômeno não é novo, mas comprova que a relação entre marcas, produtos e consumidores não é e não será mais a mesma. Os fóruns, clubes ou grupos de fãs e aficionados transformaram a maneira pela qual as marcas se relacionavam com seus públicos. Valores, crenças e posicionamentos, que eram transmitidos pelas marcas por uma comunicação feita de forma muito unilateral, passaram a ser construídos pelo próprio público-alvo.

O que isso significa? Que as marcas passaram a ser construídas, "alimentadas" e perpetuadas pelo consumidor, e não o contrário. Com o surgimento e a popularização da internet, esses grupos de consumidores de marca passam a se interconectar de maneira instantânea, fazendo com que a construção — ou a desconstrução — de marcas seja feita com uma rapidez que as fábricas de automóveis (e as demais marcas também) jamais imaginaram.

Isso representou o equilíbrio definitivo de poder entre aquela distante e inatingível "marca", que nos dizia o que fazer e o que consumir nos intervalos do jornal da noite, e o consumidor, que alça de elo mais fraco da corrente para o ditador de tendências. Uma evolução maravilhosa, que representa um novo tempo nas relações de consumo.

Nas décadas passadas era mais comum vermos a formação de grupos em torno de carros que se tornaram legendários, como o Chevrolet Opala ou o Volkswagen Fusca. Os mais antigos, como DKW-Vemag, e modelos específicos como o Renault Gordini exemplificavam bem os grupos de aficionados. Em reuniões de fim de semana, trocavam histórias e sabiam de cor os defeitos e as qualidades dos modelos — de seus preferidos e de seus preteridos.

Em nossos dias, qualquer um tem computador ligado à internet, cria um blog e começa a postar suas experiências sobre o carro que acabou de comprar. O resumo é que praticamente todos os carros têm clubes de fãs na rede, onde os admiradores trocam dicas, problemas, frustrações e experiências com o produto, com a marca e com a rede autorizada. Raramente os grupos mais famosos têm menos de mil inscritos. E a informação percorre a rede de forma viral.

As marcas de automóveis, de alguma forma, monitoram o que a sociedade comenta sobre seus produtos por meio das ferramentas sociais na web. E isso tem provocado mudanças no desenvolvimento dos produtos, alterações nos procedimentos de assistência técnica e, até mesmo, convocações para reparos, que são considerados a última e a mais drástica medida pública de correção de rota.

Os recalls — como são mais conhecidos — são, de fato, traumáticos para a imagem de qualquer produto cuja base seja a confiança, como os automóveis. Só que ainda pior que convocar é a resistência a fazê-lo. A Fiat soube bem o que significou isso quando um sem número de internautas espalhou nos fóruns, clubes, listas de discussão e blogs casos de acidentes causados por um defeito de fabricação no cubo da roda traseira do Stilo, que simplesmente se desprendia com o veículo em movimento.

A Fiat negou o problema até o fim, mas acabou rendida por uma ação do Ministério da Justiça que a obrigou a chamar todos os proprietários dos veículos afetados para a substituição das peças por outras feitas de material diferente. Um arranhão crítico na imagem do carro e da marca.

Todo o movimento foi provocado, além das inúmeras ações na justiça, pela informação que circulava sem controle pela internet. Em uma busca simples, já pude aferir que a última "novidade" envolvendo a marca italiana são as recorrentes falhas nos motores Fire Evo que equipam o novo Uno. Se haverá recall, não sabemos, mas os consumidores — silenciosamente — vão transformando a conclusão das histórias na rede mundial de computadores.

Oficina ativa
A Volkswagen se viu obrigada a chamar os proprietários de Gol e Voyage com motores de 1,0 litro devido a reclamações que se reproduziam, descontroladas, nas comunidades de fãs, nas mídias sociais públicas e nos sites de defesa do consumidor. Discretamente, a fim de não decepcionar aqueles que compravam a linha Gol pela fama de "confiabilidade", a VW chamou os consumidores para uma ação a qual deu o nome de "oficina ativa".

Era um recall disfarçado para a substituição do lubrificante do motor, cuja especificação incorreta — segundo a fábrica — provocava desgastes percebidos por ruídos no funcionamento da unidade. Se a movimentação silenciosa pela rede não fosse suficiente para manchar de forma irremediável a imagem de Gol e Voyage, duvido que a VW teria feito a convocação. Mais uma mudança nos rumos na relação marca-consumo catalisada pela internet.

Nos clubes vemos inúmeros casos de reclamações que são, em última análise, provocados pelo excesso de publicidade feito pela marca. Em uma simples busca na rede, consigo identificar exemplos de carros que foram vítimas de sua genitora, que exagerou nos adjetivos e no apelo emocional, estimulando um excessivo desejo de compra no consumidor. A grande expectativa criada, quando não correspondida nos atributos do produto, acaba levando a uma espécie de anticlímax.

Resultado: fóruns lotados de reclamações de consumidores, decepcionados com a compra, mas que são incapazes de descrever um "defeito" concreto. Apenas estão infelizes porque compraram um "sonho", mas que na vida real tem barulhos de acabamento, consumo excessivo... Um péssimo resultado na construção de imagem.

Experimente você mesmo, caro leitor. Acesse um site de buscas qualquer, digite o nome de seu carro favorito e, em seguida, a palavra "clube" — e surpreenda-se. Esse é o novo mundo a ser explorado por aqueles que constroem carros e precisam comunicar-se de modo eficaz com seus consumidores. Seja para conhecer o que eles gostam e, mais visceralmente, o que eles odeiam em seus produtos. Uma pena que não são todas as marcas, ainda, que estão dispostas a escutar tantas verdades de uma vez só.

A Volkswagen chamou Gol e Voyage devido a reclamações que se reproduziam, descontroladas, nas comunidades de fãs
Marcas & Mercado é um espaço para análise e crítica das ferramentas de marketing que os fabricantes de automóveis usam para conquistar clientes. A publicidade e a propaganda, a promoção, as ações de mercado, o posicionamento dos produtos das marcas: tudo isso é visto, aqui, pelo ponto de vista do consumidor. A coluna alterna-se a cada quinzena com Códigos Ocultos.
 

Colunas - Página principal - Envie por e-mail

Data de publicação: 6/9/11

© Copyright - Best Cars Web Site - Todos os direitos reservados