O fenômeno não é novo, mas comprova que a relação entre marcas,
produtos e consumidores não é e não será mais a mesma. Os fóruns,
clubes ou grupos de fãs e aficionados transformaram a maneira pela
qual as marcas se relacionavam com seus públicos. Valores, crenças e
posicionamentos, que eram transmitidos pelas marcas por uma
comunicação feita de forma muito unilateral, passaram a ser
construídos pelo próprio público-alvo.
O que isso significa? Que as marcas passaram a ser construídas,
"alimentadas" e perpetuadas pelo consumidor, e não o contrário. Com
o surgimento e a popularização da internet, esses grupos de
consumidores de marca passam a se interconectar de maneira
instantânea, fazendo com que a construção — ou a desconstrução — de
marcas seja feita com uma rapidez que as fábricas de automóveis (e
as demais marcas também) jamais imaginaram.
Isso representou o equilíbrio definitivo de poder entre aquela
distante e inatingível "marca", que nos dizia o que fazer e o que
consumir nos intervalos do jornal da noite, e o consumidor, que alça
de elo mais fraco da corrente para o ditador de tendências. Uma
evolução maravilhosa, que representa um novo tempo nas relações de
consumo.
Nas décadas passadas era mais comum vermos a formação de grupos em
torno de carros que se tornaram legendários, como o Chevrolet Opala
ou o Volkswagen Fusca. Os mais antigos, como DKW-Vemag, e modelos
específicos como o Renault Gordini exemplificavam bem os grupos de
aficionados. Em reuniões de fim de semana, trocavam histórias e
sabiam de cor os defeitos e as qualidades dos modelos — de seus
preferidos e de seus preteridos.
Em nossos dias, qualquer um tem computador ligado à internet, cria
um blog e começa a postar suas experiências sobre o carro que acabou
de comprar. O resumo é que praticamente todos os carros têm clubes
de fãs na rede, onde os admiradores trocam dicas, problemas,
frustrações e experiências com o produto, com a marca e com a rede
autorizada. Raramente os grupos mais famosos têm menos de mil
inscritos. E a informação percorre a rede de forma viral.
As marcas de automóveis, de alguma forma, monitoram o que a
sociedade comenta sobre seus produtos por meio das ferramentas
sociais na web. E isso tem provocado mudanças no desenvolvimento dos
produtos, alterações nos procedimentos de assistência técnica e, até
mesmo, convocações para reparos, que são considerados a última e a
mais drástica medida pública de correção de rota.
Os recalls — como são mais conhecidos — são, de fato, traumáticos
para a imagem de qualquer produto cuja base seja a confiança, como
os automóveis. Só que ainda pior que convocar é a resistência a
fazê-lo. A Fiat soube bem o que significou isso quando um sem número
de internautas espalhou nos fóruns, clubes, listas de discussão e
blogs casos de acidentes causados por um defeito de fabricação no
cubo da roda traseira do Stilo, que simplesmente se desprendia com o
veículo em movimento.
A Fiat negou o problema até o fim, mas acabou rendida por uma ação
do Ministério da Justiça que a obrigou a chamar todos os
proprietários dos veículos afetados para a substituição das peças
por outras feitas de material diferente. Um arranhão crítico na
imagem do carro e da marca.
Todo o movimento foi provocado, além das inúmeras ações na justiça,
pela informação que circulava sem controle pela internet. Em uma
busca simples, já pude aferir que a última "novidade" envolvendo a
marca italiana são as recorrentes falhas nos motores Fire Evo que
equipam o novo Uno. Se haverá recall, não sabemos, mas os
consumidores — silenciosamente — vão transformando a conclusão das
histórias na rede mundial de computadores. |
Oficina ativa
A Volkswagen se viu obrigada a chamar os proprietários de Gol e
Voyage com motores de 1,0 litro devido a reclamações que se
reproduziam, descontroladas, nas comunidades de fãs, nas mídias
sociais públicas e nos sites de defesa do consumidor. Discretamente,
a fim de não decepcionar aqueles que compravam a linha Gol pela fama
de "confiabilidade", a VW chamou os consumidores para uma ação a
qual deu o nome de "oficina ativa".
Era um recall disfarçado para a substituição do lubrificante do
motor, cuja especificação incorreta — segundo a fábrica — provocava
desgastes percebidos por ruídos no funcionamento da unidade. Se a
movimentação silenciosa pela rede não fosse suficiente para manchar
de forma irremediável a imagem de Gol e Voyage, duvido que a VW
teria feito a convocação. Mais uma mudança nos rumos na relação
marca-consumo catalisada pela internet.
Nos clubes vemos inúmeros casos de reclamações que são, em última
análise, provocados pelo excesso de publicidade feito pela marca. Em
uma simples busca na rede, consigo identificar exemplos de carros
que foram vítimas de sua genitora, que exagerou nos adjetivos e no
apelo emocional, estimulando um excessivo desejo de compra no
consumidor. A grande expectativa criada, quando não correspondida
nos atributos do produto, acaba levando a uma espécie de anticlímax.
Resultado: fóruns lotados de reclamações de consumidores,
decepcionados com a compra, mas que são incapazes de descrever um
"defeito" concreto. Apenas estão infelizes porque compraram um
"sonho", mas que na vida real tem barulhos de acabamento, consumo
excessivo... Um péssimo resultado na construção de imagem.
Experimente você mesmo, caro leitor. Acesse um site de buscas
qualquer, digite o nome de seu carro favorito e, em seguida, a
palavra "clube" — e surpreenda-se. Esse é o novo mundo a ser
explorado por aqueles que constroem carros e precisam comunicar-se
de modo eficaz com seus consumidores. Seja para conhecer o que eles
gostam e, mais visceralmente, o que eles odeiam em seus produtos.
Uma pena que não são todas as marcas, ainda, que estão dispostas a
escutar tantas verdades de uma vez só. |
A Volkswagen
chamou Gol e Voyage devido a reclamações que se reproduziam,
descontroladas, nas comunidades de fãs |