Raro
é o motorista que nunca ouviu falar da "mão inglesa", a circulação à
esquerda da via adotada na Inglaterra. O que poucos sabem é que esse
padrão vigora em mais de 70 países, que concentram um terço da população
mundial.
Quando não havia automóveis e os homens andavam a cavalo, a circulação à
esquerda da via era considerada a mais coerente: como a maioria das
pessoas é destra, o cavaleiro tinha maior facilidade em usar sua espada
caso encontrasse um adversário, que viria por sua direita. Além disso, é
pelo lado esquerdo do cavalo que normalmente se monta e, como o mais
seguro é fazê-lo a partir da calçada e não do meio da rua, nada mais
natural que sair trafegando por esse mesmo lado da via. Os ingleses
foram os primeiros a tornar essa conduta obrigatória, por meio do
General Highways Act de 1773.
Por outro lado, no século 18 começaram a se tornar comuns nos Estados
Unidos as grandes carroças, puxadas por pares de cavalos. O condutor
sentava-se sobre o último cavalo à esquerda, para poder chicotear os
animais com a mão direita. Com isso, a circulação à direita da via
tornava-se mais natural, pois a posição mais ao centro da rua facilitava
o controle da carroça em meio aos pedestres. Data de 1792, na
Pensilvânia, a primeira lei americana que determinava que as pessoas
mantivessem a direita, seguida dois anos depois por Paris.
Há quem diga que foi Napoleão Bonaparte quem exigiu a adoção do sistema
francês nos países por ele conquistados. Para muitos é apenas lenda, mas
não deixa de ser curioso que na Áustria, durante muito tempo, metade do
país tenha usado um padrão e metade o outro — sendo a linha divisória o
limite da região conquistada por ele em 1805. O que se pode afirmar, de
qualquer modo, é que Inglaterra e França impuseram seus padrões de
circulação aos territórios que colonizaram. No Canadá, as regiões
controladas por cada país adotaram um sistema diferente, divergência que
só se extinguiu em 1920 com a opção pela mão à direita.
Surge o
automóvel
No início da história
do carro o volante era aplicado em posição central, de modo que o
motorista se sentava eqüidistante das extremidades do veículo. Alguns
fabricantes, no entanto, passaram a definir uma posição deslocada para o
condutor. |
Se
estivesse mais ao centro da via, teria melhor controle do tráfego à
frente; se ficasse do lado oposto, poderia evitar colisão com obstáculos
à margem da via. Depois de alguns modelos com volante à direita, começou
em 1908 com Henry Ford a convenção de colocá-lo à esquerda. À medida em
que os carros americanos ou seus projetos chegavam a outras nações, mais
países viam a necessidade de seguir o padrão de mão à direita. No
entanto, até os anos 30 a divergência era geral.
Um estudo da National Geographic em 1936 ainda mostrava a dominância da
mão esquerda sobre a direita, com 60 países contra 43. E apontava o
problema dos europeus: "Considere um motorista que tente dirigir da
Noruega à Itália pelos Dolomites. Ele começa em Aslo pela direita até
chegar à fronteira sueca. Então assume a esquerda. Quando chega à
Dinamarca, volta à direita da estrada. Na Alemanha vale o mesmo, mas ele
retorna à esquerda na Tchecoslováquia. E, assim que se acostuma a
dirigir por esse lado na Áustria, tem de mostrar nervos de aço para
comutar novamente à circulação à direita na Iugoslávia e na Itália."
Até a Primeira Guerra Mundial, a mão à esquerda era o padrão também na
Rússia, Hungria, Suécia, Argentina, Paraguai, Uruguai, China, Filipinas
e em parte do Canadá, Áustria, Chile e Itália. A maioria desses países
adotou o sistema à direita ainda na primeira metade do século passado,
embora alguns tenham levado mais tempo. Hoje algumas ex-colônias
britânicas mantêm o padrão inglês, mas outras — caso dos Estados Unidos,
Canadá, Gana e Nigéria — passaram à circulação à direita. Mesmo assim,
em alguns países expressivos no cenário mundial a circulação inglesa se
mantém, como no Japão e na Austrália.
No total, mais de 70 países seguem tal convenção, entre eles África do
Sul, Bahamas, Bangladesh, Cingapura, Guiana, Hong Kong, Índia,
Indonésia, Irlanda, Jamaica, Malásia, Moçambique, Namíbia, Nepal, Nova
Zelândia, Paquistão, Quênia, Suriname, Tailândia, Zâmbia e Zimbábue. A
população dos países com mão à esquerda corresponde a 34% da mundial,
mais do que muitos de nós imaginamos. Curiosamente, a proporção se
inverte quando são consideradas apenas ilhas: mais de 70% da população
que vive nesse tipo de país circula pela esquerda, contra apenas 29% dos
habitantes de países continentais.
Continua |